Edição 38 - Novembro/2023 | Entrevista

Literatura negra: ancestralidade e centralidade

Arquivo pessoal

Como a literatura negra reflete a desigualdade racial, social e econômica no Brasil? Ao longo da história da luta pela democracia no país, a mulher negra sempre ocupou um papel indispensável, por vezes acompanhado  do apagamento de suas narrativas. Nesta entrevista, a professora Elaine Correia de Oliveira destaca o papel da ancestralidade para a manutenção das memórias vivas, costumes e as histórias de resistências da população negra brasileira. Ela comenta, ainda, sobre os principais fenômenos artísticos da atualidade, como saraus e slams, que vêm desafiando convenções e propondo novos rumos para a reflexão sobre os campos artístico e literário brasileiros.

Confira!

 

LBXXI: A literatura negra no Brasil, afro-brasileira, afrodescendente, literatura negro-brasileira, é parte fundamental da cultura nacional. Além de possuir uma diversidade de vozes, estilos e gêneros literários, ganha cada vez mais força devido ao aumento de estudos acadêmicos e a disseminação na mídia do debate sobre racismo. Mas, afinal, o que é literatura negra?

Elaine Correia de Oliveira: A ancestralidade tem um papel de suma importância para população negra brasileira para se manterem vivas as memórias, costumes e as histórias de resistências desses povos. Desse modo, na realidade, devemos mencionar que um grande precursor da literatura afro-brasileira são as ações do movimento negro que ao longo da história do país travam lutas em várias frentes, sendo a arte e a cultura parte fundamental delas. É notável, que as políticas públicas relacionadas as cotas raciais também têm bastante influência nesse processo, pois permite que a universidade tenha que lidar com a diversidade de narrativas. Definir o que é a literatura negra é uma tarefa complexa, seja porque sofremos o apagamento da história de vários autores e autoras negras ou pelo fato de que em algumas situações, a universidade demorou para reconhecer a obra desses escritores como relevante para os estudos literários.

LBXXI: Do legado de Maria Firmina dos Reis para o surgimento de nomes como Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo. No Brasil, são inúmeras as autoras que, apesar das adversidades culturais, econômicas e sociais enfrentadas diariamente pela população negra, vêm transpondo barreiras, fazendo história e ganhando espaços nas estantes e no coração dos leitores. Em que medida a criação literária é uma forma de resistência e fortalecimento das lutas em torno das questões sociais e raciais?


Elaine Correia de Oliveira: A resistência das escritoras mais antigas está no legado que elas deixaram para a contemporaneidade. Na atualidade, identificamos muitas crianças e jovens, reconhecendo as histórias dessas autoras e tudo isso só é possível mediante a persistência delas em se manterem na postura de quem sabiam/sabem que são escritoras brasileiras renomadas, mas que devido ao racismo estrutural do país tiveram suas biografias apagadas por muitas décadas e com elas as narrativas que hoje são motivos de vários movimentos que a sociedade atual está construindo.

 

LBXXI: Quais são, na sua opinião, as principais iniciativas de pessoas, coletivos, escritoras, influenciadoras e personalidades que estão fazendo a diferença no cenário da literatura negra contemporânea?

Elaine Correia de Oliveira: Hoje existem várias iniciativas relacionadas a literatura. Entretanto, acredito que os saraus com destaques nas periferias e os slams espalhados nas metrópoles, sejam grandes exemplos a serem considerados, pois nesses espaços é possível identificar a literatura por meio das poesias e performances em grande circulação, carregadas de cultura e valorização local. Os fenômenos artísticos dos saraus e slams vêm desafiando convenções e propondo novos rumos para a reflexão sobre os campos artístico e literário brasileiros.

LBXXI: Você cita a filósofa Ângela Davis, que afirma que “quando a mulher negra se movimenta, toda estrutura social se movimenta com ela.”. Na sua percepção, ao longo da história da luta pela democracia no Brasil, qual o lugar das narrativas contadas por mulheres negras no processo democrático do nosso país?

Elaine Correia de Oliveira: Exatamente porque é a mulher afro-brasileira que sobrevive na base da prestação de serviços e da economia do cuidado, segurando a estrutura econômica familiar muitas vezes sozinha. Nesse sentido, é sob as vozes dessas mulheres que atualmente a literatura brasileira vem criando um olhar em relação a suas vidas, corpos, histórias e tornando os espaços mais democráticos.

LBXXI: Poderia comentar um pouco sobre qual é o lugar da literatura produzida por autoras negras nas universidades e escolas atualmente?

Elaine Correia de Oliveira: Ainda temos muito o que avançar, porém é mais recorrente observarmos pessoas negras se apropriando de suas narrativas, fazendo com que essa literatura circule em mais espaços e tornando-a mais acessível. Tenho a impressão de que definir um lugar pode delimitá-la de como, onde ou quando as pessoas vão estudá-las ou apreciá-las, dentro ou fora ambiente acadêmicos. A ideia é que elas se tornem universais e façam parte das narrativas que identificam uma nação, pois quando falamos de literatura canônicas, dificilmente se estabelece lugares para sua circulação, pois já é reconhecida como patrimônio cultural de um povo.

LBXXI: Nós estamos no século XXI, com muitas mudanças: na sua opinião, o que de fundamental ainda precisa ser tratado?

Elaine Correia de Oliveira: Ainda existe muita dificuldade de compreender as narrativas de pessoas negras para além da violência e servidão, a ponto de existir estranhamento quando mulheres pretas produzem grandes reflexões com suas produções literárias. Não avançaremos enquanto esses corpos não forem totalmente humanizados, visto que é preciso ultrapassar muitas barreiras estruturais.

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