Edição 19 - Abril/2022 | Entrevista

Modernismo pelo Brasil

Eliane Paradela Arakaki

Quando o assunto é a Semana de Arte Moderna de 22, os principais nomes de escritores e artistas vinculados ao movimento estão concentrados no eixo Rio-São Paulo. Mas será que só existia poesia modernista nas duas cidades nos anos 1920? Em busca de respostas, Leandro Pasini, professor de literatura brasileira da Unifesp, iniciou uma pesquisa sobre possíveis grupos de poetas presentes em outras regiões do país e encontrou uma diversidade de materiais publicados especialmente em revistas literárias. 

O trabalho de mapeamento do professor resultou no livro Prismas modernistas: a lógica dos grupos e o modernismo brasileiro, a ser lançado ainda no primeiro semestre do ano, e na oficina Modernismos pelo Brasil: as poéticas dos anos 1920, realizada on-line na Biblioteca Parque Villa-Lobos. Além de nomear os poetas presentes em outras regiões do país, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará e Pará, Leandro contextualizou as relações dos escritores de São Paulo e do Rio de Janeiro com os grupos de outros estados e fez a análise interpretativa de vários poemas da época. 


Veja abaixo alguns trechos da entrevista com o professor Leandro Pasini.

Qual a importância de fazer o mapeamento da poesia regional modernista? 

Quando eu fiz meu doutorado sobre Mário de Andrade, percebi que a obra dele se enriqueceu muito com a troca de correspondências com o Manuel Bandeira e o Carlos Drummond de Andrade. A partir daí, entendi que a ideia do modernismo ficava muito mais complexa, plural e interessante quando incorporava a produção de vários lugares. Por meio da análise de poemas produzidos na década de 1920 é possível identificar em cada região do país um posicionamento cultural denso, que refletia não só sua posição geográfica, mas também seu componente histórico e comportamental. O que não significa que a literatura não era nacional. Era nacional, porém marcada por um contexto histórico-geográfico. 

Esses movimentos regionais aconteceram simultaneamente ou foram inspirando uns nos outros? 

A minha pesquisa ocorre na primeira década, entre 1922 e 1932. Nessa época, todos os grupos do país estavam em processo de modernização, seja a modernização concreta, vinda da urbanização, industrialização, carro, bonde, cinema; ou da modernização poética, com algumas experimentações, estruturas menos rígidas e uso de regionalismos. Agora, se a gente considerar o modernismo como um programa estético, é possível identificar pontos de evolução. A organização mais evidente é a Semana de Arte Moderna e depois disso começa uma espécie de aceleração do processo. Em 1921 e 1922, o foco é em São Paulo; em Pernambuco, acontece em 1923; em Minas Gerais e Belém, em 1924; e Porto Alegre, em 1925. Ou seja, num prazo de cinco anos temos praticamente metade da federação da época em lutas modernistas, com grupos diversos se comunicando e publicando em revistas. O que na história da literatura brasileira é algo excepcional e bastante positivo. 

O uso excessivo de linguagem regional dificultou a popularização dos poemas modernistas?  

A poesia modernista é por definição uma poesia difícil. Ela tem o que chamamos de autonomia do objeto artístico, ou seja, o objeto artístico não precisa parecer com mais nada. Ela usa uma linguagem que não existe fora do poema, cheia de analogias, com a ordem das frases sem elementos de conexão. Tudo que existe de peculiar culturalmente aparece ali: frutas, plantas, pássaros. Só que o peculiar de uma região não é o da outra, o que torna os textos difíceis de serem compreendidos. O ponto máximo disso é o livro Macunaíma, do Mário de Andrade. Ele juntou a diversidade do Brasil em um único texto, mas as pessoas não entendem. Impossível alguém ler Macunaíma e falar que entendeu tudo. O próprio Mário, passado dois meses da escrita já começou a esquecer as palavras. Por isso, fizeram um dicionário específico para o livro. Por outro lado, esses textos carregam uma arte experimental e autônoma, com promessas de descobertas a cada nova leitura. 

Os modernistas divulgavam seus trabalhos especialmente em revistas. Elas tinham uma grande circulação ou ficavam restritas ao grupo dos escritores? 

O mercado editorial no Brasil sempre foi muito restrito, então para publicar um livro era preciso bancar a própria produção. As revistas e os jornais se tornaram os substitutos naturais pela falta de acesso às editoras. Os principais títulos da época, como a Klaxon, em São Paulo, a Estética, no Rio, e A Revista, em Minas Gerais, eram chamadas de pequenas revistas porque as tiragens eram reduzidas e o público era basicamente quem publicava nelas, ou seus amigos ou pessoas interessadas em artes e literatura. Mesmo restritas, elas são extremamente importantes para mostrar a fisionomia do movimento porque ali estão reunidos os poemas, resenhas de livros e as polêmicas da época. Elas eram praticamente a história literária em tempo real. 

Durante a oficina, você comentou sobre as mentiras que circulavam propositalmente entre os grupos de escritores. Como foi esse período de fake news? 

Existiu ao longo do modernismo uma espécie de trote entre os autores, algo que ocorria dentro e fora do Brasil. O humor e a provocação são praticamente marcas registradas do período. Tem uma história curiosa com o Oswald de Andrade, que cansado de ouvir os amigos elogiarem o trabalho de Villa-Lobos, comentou que ele não era tão talentoso assim. Ao ser questionado pelo grupo, disse que o comentário foi feito pelo Mário de Andrade, reconhecido por ser um excelente crítico de música. Quando o Mário foi tirar satisfação, Oswald simplesmente respondeu: “Eu menti”. A história acabou indo parar, dentro de um outro contexto, claro, no livro Macunaíma. 

Villa-Lobos era outro mentiroso contumaz. Ao fazer a divulgação de sua obra em Paris, dizia que tinha navegado todos os afluentes do Amazonas em uma canoa, algo absolutamente impossível. Contava também feitos do mercenário alemão Hans Staden como sendo seus, como o caso de que quase foi devorado por canibais na adolescência. Foi um grande pregador de peças nos franceses. 


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