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Modernismo trouxe novos ares para o teatro brasileiro

Foto: Equipe SP Leituras

Um fato curioso ronda a Semana de Arte Moderna de 22. Por que não tivemos apresentação teatral a exemplo da música, da arte e da literatura nos três dias do evento? A resposta é bem objetiva e direta. “Simplesmente porque não existiam textos modernistas para serem encenados na época”, resume a professora de Artes Cênicas da Unicamp, Larissa de Oliveira Neves, que realizou a oficina O Teatro e os Modernistas (1922 -1942), na Biblioteca de São Paulo, em março. 

Na década de 1920, o teatro profissional era ligado a linguagens mais populares. Tinha o musicado, as danças burlescas, o samba e os números cômicos, com uma dramaturgia fragmentada, montada em esquetes. “O conteúdo era voltado para críticas políticas e sociais, com textos jocosos, destacando a relação entre as pessoas, como pai e filho, marido e mulher, patrão e empregado”, explica Larissa. Além desses, existia ainda o teatro-circo, apresentado apenas nos grandes centros urbanos e baseado em melodramas. 

Fazendo um contraponto ao estilo popular da época, surgiu um pequeno movimento com forte inspiração no teatro europeu, em especial nos dramaturgos Luigi Pirandello e Henrik Ibsen, com o intuito de fazer um teatro mais sério, chamado de teatro de tese. “O foco era a atuação realista, baseada nos textos de João do Rio e Gilberto Gomes, mas era algo bem restrito à elite intelectual”, analisa a professora. 

Outra tentativa foi o Teatro de Brinquedo, criado pelo poeta, escritor e dramaturgo Álvaro Moreyra e sua esposa, a jornalista Eugênia Moreyra, que propunham uma nova concepção de espetáculo, sendo considerado uma manifestação precoce da modernidade teatral. A proposta teve vida curta, sendo a primeira apresentação realizada em 10 de novembro de 1927, no salão Renascença do casino Beira-Mar, no Rio de Janeiro, com a peça Adão, Eva e outros membros da família, para cerca de 180 pessoas, quando o comum para a época era ter um público de mais de 500 pessoas. 

Segundo a professora, a primeira peça essencialmente modernista foi Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, encenada em 1943. A montagem realizada sob a direção do polonês Zbigniew Marian Ziembinski, revolucionou a linguagem e a estética do teatro nacional. Mário de Andrade, com a peça Café, e Oswald de Andrade, com O Rei da Vela, também tentaram introduzir textos modernistas no teatro, mas suas peças, produzidas na década de 1930, só foram encenadas anos depois, em 1967. 

Além de um texto moderno e cenografia abstrata, o grande marco entre o teatro convencional e o teatro modernista é a presença de um diretor de texto e de cena. “A chegada da luz elétrica também possibilitou criar novas ambientações para os espetáculos por meio de estratégias de iluminação”, destaca Larissa, observando que o teatro atual ainda é herdeiro do modernismo. 

Larissa ressalta que no momento temos uma mudança de linguagem mais forte com o uso da tecnologia. “Cada vez mais veremos atores dialogando com um vídeo ou encenando com outros atores que estarão em um outro local. Por outro lado, acredito que o trabalho artesanal vai fazer um contraponto com o tecnológico, dando relevância para a produção manual de figurinos, por exemplo.” Mas tem algo que não mudará jamais. “A beleza do teatro é que ele só acontece quando as pessoas estão juntas, seja no presencial ou no virtual”, finaliza. 




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