Edição 30 - Março/2023 | Entrevista

Vidas transcritas

Carolina Valentim

Não é de hoje que as mulheres começaram a publicar suas histórias pessoais e experiências de vida, desafiando as normais sociais que as mantinham em silêncio e praticamente invisíveis. Ao conquistarem um lugar de destaque no mundo das letras, as narrativas mais intimistas, escritas com um olhar mais sensível em relação aos fatos, ganharam corpo. Mostrar como esse recurso literário pode ser utilizado de forma mais efetiva e sem artifícios foi o objetivo da oficina Escrever a Vida: A Escrita de Mulheres, ministrada pela escritora, tradutora e professora de Teoria Literária da Unifesp, Paloma Vidal, entre os dias 20 e 31 de janeiro.

A proposta não é nova, como observa a professora. “Se olharmos para as redes sociais, as pessoas escrevem sobre fatos pessoais e cotidianos regularmente. A diferença é que na oficina esse exercício de escrita será feito a partir do uso de algumas técnicas.” A ideia é ir além do tradicional texto autoexplicativo de imagens tão comum no Facebook e Instagram e adotar tons mais literários, criando produções mais ambíguas e problematizadas.

Para dar o tom da proposta, a primeira aula trouxe os relatos de obras de escritoras que viveram períodos no exílio, como Audre Lorde, Clarice Lispector, Marguerite Duras e Natalia Ginzburg. Nos exemplos apresentados o destaque está na descrição detalhada de lugares, em especial a própria casa. Outra característica marcante é o aspecto reflexivo da escrita, com uma grave problematização da história. A família também está sempre presente nos enredos e há ainda o uso de memórias, como fatos passados na infância. “O fato de querer contar a própria vida tem a ver com o momento histórico vivido pela escritora e isso cria um elo entre o público e o privado”, comenta Paloma Vidal.

As experiências pessoais são geralmente escritas em primeira pessoa e esse espaço autobiográfico é repleto de riscos, uma vez que a exposição exige da autora uma autorreflexão sobre si mesma e isso pode acarretar perda da estabilidade. “Essa trajetória da escrita pode ser extremamente dolorosa porque é uma forma da autora se autoquestionar, algo bem diferente das redes sociais onde as pessoas vendem só o lado bom da vida. Ninguém mostra suas fragilidades”, destaca a professora.

A autobiografia muitas vezes inclui também fatos ficcionais. “Os relatos não precisam ser 100% fiéis aos fatos acontecidos. Veja a presença da ficção como uma forma de solucionar questões pessoais pela autoficção”, explica Paloma.

Outra forma literária de escrita autobiográfica são as cartas e diários, algo mais profundo e privado em comparação com os livros. Para exemplificar o tom intimista desses textos, os participantes da oficina analisaram textos produzidos pelas autoras
Alejandra Pizarnik, Ana Cristina Cesar, Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Françoise Ega, Marta Minujín e Virginia Woolf.

A comunicação pessoal não precisa estar restrita à escrita. Escritoras artistas utilizam imagens, fotos e ilustrações para mostrar seus relatos pessoais, como Aline Motta, Leila Danziger, Laura Erber, Sophie Calle e Veronica Gerber Bicecci. Um bom exemplo é
o livro Jogo da Memóriade Aline Motta, que contempla as duas técnicas: a literária e a visual. Uma parte traz histórias inspiradas na família da autora e outra parte é um ensaio fotográfico criado a partir dos temas dessas narrativas.

 

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