Ateliê Literário | Edição 48 - Setembro/2024
Aventura de Chico Bento ao desconhecido: chegada à São Paulo (1)
Sônia Regina Silva
* Texto
produzido a partir da oficina “Dois ou três aspectos da prosa sertaneja”,
ministrada pelo professor Cleber Vinicius do Amaral Felipe, na Biblioteca de
São Paulo, em julho de 2024.
Chico
Bento, vaqueiro de poucas palavras e muitos sonhos, junto de sua esposa
Cordulina, viu-se atraído por um destino rumo ao desconhecido, contrário ao
sertão nordestino castigado pela seca. A terra rachada, o gado magro e a
esperança minguada eram suas companheiras diárias. A decisão de partir não foi
fácil, mas a necessidade de ir ao encontro de um novo destino soava mais alto.
Com o coração apertado, despediu-se de sua gente, os retirantes de Quixadá,
prometendo voltar com boas novas.
O
sol ainda não havia despontado no horizonte quando Chico Bento iniciou sua
jornada para a cidade paulistana. A estrada de terra quente, rachada e
endurecida, parecia interminável, e cada passo rumo a uma vida nova era um
misto de esperança e incerteza. O calor do sertão logo deu lugar ao frescor das
montanhas, e Chico sentiu um alívio momentâneo. A paisagem mudava, trazendo
sensações de leveza para aquele corpo castigado pelo calor extremo da secura
nordestina, mas a saudade ainda doía no peito.
Durante
a viagem, Chico encontrou outros retirantes, em meio a um mar revolto pelo mau
tempo. Mesmo assim, cada um vencia o medo contando suas histórias de luta e
superação. Em uma dessas paradas nos portos, onde o navio costumava atracar,
conheceu Dona Maria, uma senhora que, apesar da idade avançada, carregava nos
olhos a chama da resistência. Ela lhe contou sobre São Paulo, a cidade grande,
na qual as oportunidades eram tantas quanto as dificuldades. Chico ouviu
atento, absorvendo cada palavra como se fosse um mapa para seu destino.
Ao
chegar em São Paulo, ele se deparou com um mundo completamente diferente. As
ruas movimentadas, os prédios altos, as buzinas de carro, os ônibus, as muitas
lojas, os corredores com elevadores, os restaurantes e os fast foods
intensificavam um ritmo frenético citadino que o deixaram atordoado. Chico
Bento estava perdidamente atônito diante dessa nova vida. Sentiu-se pequeno
diante da imensidão de concreto e gente. Encontrou abrigo em uma pensão
simples, onde dividia o quarto com outros nordestinos que, como ele, buscavam
um recomeço.
Os
primeiros dias foram difíceis. A adaptação à nova realidade exigia mais do que
ele imaginava. O trabalho na construção civil era árduo, mas Chico não se
deixava abater. Cada tijolo assentado era um passo rumo ao futuro que ele
sonhava para sua família. Nas horas de folga, escrevia cartas para a sua gente,
contando sobre as novidades e reafirmando sua promessa de voltar.
Com
o tempo, Chico Bento começou a se integrar à comunidade nordestina em São
Paulo. Participava das festas juninas, onde a música e a comida típica o faziam
sentir-se mais próximo de sua terra natal. Fez amigos, encontrou apoio e, aos
poucos, a cidade grande deixou de ser tão assustadora.
Chico Bento, agora mais adaptado à vida em São Paulo, não esquecia suas raízes, mas distanciava-se cada vez mais de retornar ao sertão, cujo cenário habitual era o da miséria tumultuosa do campo. Porém, a saudade desse sertão era constante, mas ele sabia que seu sacrifício não seria em vão. Cada dia de trabalho, cada conquista, era um passo a mais na direção de um futuro melhor. E assim, com determinação e esperança, Bento seguia sua jornada, escrevendo sua própria história na cidade que o acolhera, observando sempre o campo da seca, entretanto, com um certo desinteresse para essa realidade, tal qual o desprendimento característico do estrangeiro ao alheio em relação aos seus hábitos, modos e costumes de vida.
[1] Atividade de escrita para a criação de um
capítulo curto, visando-se dar rumo ao destino lacunoso de Chico Bento,
personagem do romance O Quinze, de Rachel de Queiroz.