Ateliê Literário | Edição 44 - Maio/2024

Conto “Maria”: uma resenha

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Sônia Regina Silva

Confira a resenha de Sônia Regina Silva, participante da oficina “O povo brasileiro na literatura, construindo identidades”, ministrada pela professora e pesquisadora Lilian do Rocio Borba, na Biblioteca de São Paulo em março de 2024.  

Boa leitura! 

O conto “Maria”, de Conceição Evaristo, presente no livro Olhos D’água (2016), apresenta uma narrativa breve, porém intensa, que retrata a vida de uma personagem imersa em dilemas sociais cotidianos. Maria, a protagonista, busca sobreviver em uma sociedade que a marginaliza e limita sua liberdade.

A personagem é uma figura simbólica, mas humanizada na narrativa, pois retrata a denúncia da posição ocupada por indivíduos marginalizados na sociedade. Sua história é marcada por elementos de uma realidade cotidiana dura, como a pobreza, a discriminação racial e a ausência de mobilidade social, reservada a uma minoria de indivíduos que silenciam as vozes daqueles que não têm espaço em um mundo pouco democrático.

Através da história de Maria, somos convidados a entrar em um universo caracterizado pela subalternidade, onde os direitos das pessoas são violados quando não são reconhecidos pela sociedade. Como Maria, existem muitas outras “Marias” que representam o sofrimento de pessoas relegadas a condições humilhantes, evidenciando a vulnerabilidade do indivíduo diante de um cenário de discriminação, pobreza e histórias de dor.

No conto, Maria é descrita como uma mulher que “estava parada há mais de meia hora no ponto do ônibus” (p. 24) e que “levava para casa os restos” (p. 24) de comida da festa na casa da patroa, como o “osso do pernil” (p. 24), o qual “a patroa ia jogar fora” (p. 24), “e as frutas que tinham enfeitado a mesa” (p. 24). Ela “ganhara as frutas” (p. 24), as quais “estavam ótimas” (p. 24) e, ainda, “havia melão” (p. 24), suas “crianças nunca tinham comido melão” (p. 24). Maria ainda recebeu “uma gorjeta” (p. 24). Ela “estava feliz, apesar do cansaço” (p. 24), retratando a típica mulher trabalhadora que luta para sustentar seus filhos, apesar das adversidades. De início, a narrativa apresenta, nitidamente, uma mãe originária de classes sociais marcadas pela pobreza, buscando meios para o seu sustento e de seus filhos carentes de qualquer privilégio social.

A história atinge o clímax quando Maria encontra o pai de seu filho mais velho, no mesmo ônibus em que estava voltando de seu trabalho rumo à sua casa. Este encontro desencadeia uma série de eventos, como as recordações de sua vida passada com esse homem. Lembra-se dele “deitado com ela” (p. 24), “da vida dos dois no barraco” (p. 24), “dos primeiros enjoos” (p. 24), “da barriga enorme que todos diziam gêmeos, e da alegria dele” (p. 24). Simultaneamente, pensa que “ele continuava o mesmo. Bonito, grande, o olhar assustado não se fixando em nada e em ninguém” (p. 24). De repente, em seguida, há um assalto ao ônibus, quando ele “[...] levantou rápido sacando a arma” (p. 24) e seu comparsa, o “outro lá atrás gritou que era um assalto” (p. 24). Talvez o evento mais marcante sejam as violências cometidas contra Maria pelos outros passageiros, que a acusam injustamente de estar envolvida no crime ao dizerem: “Negra safada, vai ver que estava de coleio com os dois” (p. 25), “Aquela puta, aquela negra safada estava com os ladrões!” (p. 25). E, pior ainda, “alguém gritou: Lincha! Lincha! Lincha!...” (p. 25).

Esse trecho induz a reflexões de que não devemos nos silenciar diante dessas situações. É preciso clamar com dignidade por um fim à exclusão e à discriminação em suas mais variadas formas de manifestação na sociedade. A história de Maria é um lembrete poderoso da necessidade de resistir à marginalização e lutar pela igualdade. Portanto, “Maria” é um conto que permite a visualização das lutas e das injustiças enfrentadas pelos marginalizados na sociedade. Conceição Evaristo habilmente coloca em evidência a personagem, para explorar temas de pobreza, discriminação racial e injustiça social, oferecendo, dessa maneira, uma crítica incisiva da sociedade brasileira contemporânea.

 

 

Referência bibliográfica:

 

EVARISTO, Conceição. Conto “Maria”. In: Olhos D’água. Rio de Janeiro: Palhas: Fundação Biblioteca Nacional, 2016.