Ateliê Literário | Edição 35 - Agosto/2023
Diário de Leituras ou “Encontrar o texto em mim”
Angelo Ribeiro
Confira o texto produzido por Angelo Ribeiro, participante da
oficina Conversando sobre textos: literatura, escola e exercício da democracia,
realizada em junho de 2023. A partir de práticas como o diário de leitura e a
escrita criativa, a atividade propôs reflexões críticas de como a literatura
brasileira do século XXI, na sala de aula, pode contribuir para o exercício da
democracia. Esta questão central foi tratada por meio da análise de obras de
autores como Ana Martins Marques, Paulo Henriques Britto, Machado de Assis,
Pedro Nava, Graciliano Ramos e Rodrigo Ciríaco.
Boa leitura!
1. Data: 08/06/2023
Livro: DA ARTE DAS ARMADILHAS
Autora: Ana Martins Marques
Publicado: 2011
Editora: Companhia das Letras
Objeto de leitura: “Interiores” – páginas 13 a 27.
17 Poemas: Açucareiro, 13. Cadeira, 14. Fruteira, 15. Cristaleira, 15. Talheres, 16. Cômoda, 17. Estante, 17. Cortina, 17. Capacho, 18. Canteiro, 18. Torneira, 18. Banheiro, 19. Varal, 20. Regador, 21. Pimenteira, 21. Espelho, 22. Relógio, 23.
Considerações gerais
Aproximação afetiva, subjetiva, interna, arbitrária
Conjunto de poemas relacionados ao cotidiano de uma pessoa comum. Uma pessoa que tem um lar, uma casa, um apartamento. A respeito dos títulos dos poemas, nem todas as pessoas podem ter esses utensílios, porém é possível que a maioria delas saibam do que se trata. Por exemplo, a “Cristaleira”, o “Açucareiro”, a “Fruteira”, o “Regador” e a “Pimenteira”. Eu não tenho isso em casa, mas sei o que são. Porém, outros itens como “Cadeira”, “Talheres”, “Varal”, “Espelho” e “Relógio” são mais comuns numa casa, talvez, seja possível que muitas pessoas tenham.
O eu lírico expõem sua visão do mundo por meio de uma perspectiva particular, íntima e interna. No entanto, essa visão restrita ultrapassa o interior e se desloca para o exterior, no sentido de o olhar inicial partir de dentro e extrapolar para fora, como no poema “Cortina”. As imagens construídas na leitura são prazerosas, à medida que o leitor sorri e se encara, se questiona e vibra pensando: “nossa, não é mesmo?”, “Nossa, que lindo, não havia pensado nisso”, “sim, isso acontece”.
O olhar a partir da casa, da residência, do íntimo e do interior, por meio de objetos domésticos e cotidianos, propõe re-significar o tempo presente, que através da memória, e consequentemente da escrita desse tempo, se pretende eterno. A impressão, o olhar, o flash são utensílios do trabalho da linguagem composta na materialidade do texto. Os temas: amor, cansaço, morte, nudez, perda, descanso, solidão etc. são sentimentos e sensações que habitam esse lar e esses objetos. Uma maneira de expressar indiretamente a realidade construída pelo humano por meio de símbolos, signos, ideias.
Um exemplo: “Açucareiro”: De amargo/Basta/O amor. Agridoce,/ela disse. Mas a mim/pareceu/amargo. Parece um diálogo, uma conversa. Resposta despretensiosa e rápida, em um café, em uma mesa de bar: algo no sentido de “de difícil basta a vida”. Movimento em duas partes de ação (falar) e uma de pensamento (pensar): 1ª estrofe, eu disse. 2ª estrofe, ela disse. 3ª estrofe, eu pensei. Eu lírico apaixonado e desiludido. Apresenta uma visão limitada e única a respeito da possibilidade da experiência amorosa.
Aproximação técnica, exterior, informativa, explícita
17 poemas.
Versos livres.
Relações de semelhança.
Ritmos (de sons, de imagens, de formas).
Colher |
Varal |
Pimenteira |
Cristaleira |
Se o sol nela Batesse Em cheio Por exemplo Numa mesa posta No jardim Imediatamente se formaria Um pequeno lago De luz |
Suas camisetas Colorem O vento |
Devolve-nos hoje Ardente O sol De ontem |
Guarda E revela A nudez branca |
Memória do leitor, “intertextos do leitor”, “interleitura”
Relaciono o poema “Relógio” com a música “Depois de ter você”, interpretada por Maria Bethânia e Adriana Calcanhoto.
Relógio |
Depois de ter você |
De que nos serviria Um relógio? Se derramamos água: Dia Se entornamos vinho: Noite |
Depois de ter você Pra que querer saber Que horas são? Se é noite ou faz calor Se estamos no verão Se o sol virá ou não Ou pra que é que serve Uma canção, como essa? |
2. Data: 10/06/2023
Livro: Trovar Claro
Autor: Paulo Henriques Britto
Publicado: 1997
Editora: Companhia das Letras
Objetos de leitura: “Três peças circenses” – páginas 11 a 15. “Até segunda ordem” – páginas 33 a 43.
Considerações gerais
Aproximação afetiva, subjetiva, interna, arbitrária
Os poemas iniciais do livro Trovar Claro: “O prestidigitador”, “O encantador de serpentes” e “O funâmbulo”, remetem a um ambiente fora do comum em que a fantasia se mistura com a representação da realidade. Em outros termos, um ambiente lúdico em que se manipula a atenção do espectador para a possibilidade de uma outra realidade possível. O título que anuncia os três poemas deixa claro o ambiente: o circo. Desse modo, “Três peças circenses” apresenta um ilusionista, um encantador de serpentes e um equilibrista. A escolha lexical adotada não é ordinária, ou seja, poderia optar por mágico ao invés de “prestigiador”, ou “equilibrista” no lugar de “funâmbulo”. A razão para a seleção dos substantivos “menos usuais” pode ser encarada como uma tentativa de provocar no leitor comum uma estranheza. Talvez, ainda, seja um convite para a investigação dos termos em busca de deslocar o leitor de seu estado passivo, tornando-o caçador de seu próprio sentido, a partir do mistério da palavra. Essas possíveis interpretações estão baseadas a partir do agrupamento dos títulos no índice, porém, ao ler os poemas é possível ampliar essa iniciação interpretativa.
“O prestidigitador” ou ilusionista, como queira tal leitor, é um poema sobre a escrita e seu suporte. Em outras palavras, uma das imagens possíveis a partir da leitura do poema, é um caderno espiral de 100 folhas, que servirá de estrutura para a construção de uma realidade fictícia.
Na primeira estrofe, o eu lírico é debochado. Constrói uma argumentação a partir do sentimento de posse provisória do papel e da vida, dizendo que a primeira é legítima e a segunda falsa. Em outras palavras, o papel que está à frente é do possível escritor, pois o tem; enquanto a vida, embora a tenha, nunca foi dele. Parece bem uma parte de uma conversa em que o eu lírico reforça a ideia de ilusão do monopólio da propriedade. Também é curiosa a ideia de começo, de virgindade, de prazer, de vontade, de escolha. Outra ilusão. Embora essa representação de início, de experimentação nova, esteja amparada pela primeira folha de um caderno de 100 páginas, ela só serve de comparação para explicitar que, de novo, é fantasia.
No entanto, não deixa de ser possível, ou seja, uma realidade inventada que permita sentir o frescor do novo, o “friozinho bom no estômago” que a “realidade tão incômoda” não possui. A terceira estrofe é consoladora. Caso o leitor seja um escritor que passe por um período de “bloqueio criativo” ou ainda por uma dificuldade de escrever um verso, o eu lírico o acalma, dizendo que se assim acontecer, talvez, seja um bom sinal, pois o caderno continuará virgem, intacto, nunca tocado, restabelecendo o gosto do novo, do primeiro.
É interessante observar que a ideia de começo, de virgindade está associada ao prazer, a algo bom, buscado; que não deve ser maculado, deve ser adorado, observado, velado. Em outras palavras, a virgem, o ideal, o novo, só é bom a partir do olhar, do distanciamento, pois a partir da realidade da ação atuante sobre o começo, tudo muda.
Portanto, é bem possível que a construção do ideal do novo seja construída para manter a efemeridade infantil intacta. Afinal, todos os inícios são tortuosos, aterrorizantes, lentos: a primeira aula como aluno na Educação Infantil, a primeira aula na faculdade. O primeiro beijo, a primeira desilusão. A primeira escrita no cartão de feliz aniversário, a primeira escrita em um trabalho acadêmico. Ou seja, o começo é só ideal quando não começa, o antes e a visão dele é virginal, esperada, aguardada, iludida, mas o primeiro passo é cauteloso, a olhar é temeroso no território inexplorado e desconhecido.
Talvez por isso, o eu lírico remeta a um “infanticídio”, o evento da morte do homem novo que é iludido com a fantasia das mãos ágeis do homem velho. O caderno de espiral poderia ser o infante, assim como o caderno de “lombadas traiçoeiras” poderia ser o homem velho: “O prestidigitador”. Essa interpretação está baseada nas marcas. Enquanto as folhas do caderno em espiral vão e vem com mais fluidez e se moldam ao suporte sem grandes dificuldades, as folhas de uma brochura, por exemplo, são marcadas e dobradas constantemente. Elas representam a sua natureza, seu caminho. É bem mais possível identificar um caderno usado brochura que um caderno usado espiral a partir do uso.
“Até segunda ordem” reúne 5 poemas que tem por objetivo a confusão do leitor. São poemas, inicialmente, com “cara” de poema, mas depois de uma breve olhada parecem outra coisa, disforme e nada comum. O leitor tem diante de si cinco poemas que começam com uma data parcial, sem o ano. Em seguida, expressam informações adequadas a uma carta ou a um bilhete, que solicita resposta, comunica ações, pede e manda. Em outras palavras, ao ler os poemas se tem a sensação que a forma soneto está recheada pela prosa, embora essa mistura fica evidente, não é possível delimitar fronteiras a não ser se for recortada, dividida.
Esse mescla de discursividade é atraente, pois suscita a vontade de conversar sobre o poema, conhecer as opiniões de outros leitores e oferecer leituras, compartilhar pontos de vistas. Parece que a cada dia e mês, mesmo saltando e havendo lacunas no “diário”, como natal e ano novo, é como se fosse um pedacinho de história a se descobrir, a se desvendar. É tudo curioso e instigante: “Até esta chegar às suas mãos, eu já devo ter cruzado a fronteira”, ah, não! Como assim? Carta demora, né? Ele partiu, ela partiu. A aparentemente carta foi o que restou da presença física. A caligrafia no papel, a materialidade da presença na ausência, o pedacinho do outro, o vestígio do passado.
Aproximação técnica, exterior, informativa, explícita
“Três peças circenses” é um conjunto de três poemas iniciais do livro Trovar Claro de Paulo Henriques Britto, cujos títulos são, respectivamente: “O prestidigitador”, “O encantador de serpentes”, “O funâmbulo”. O primeiro é dividido em 5 estrofes de 4 versos. O segundo, apresenta 6 estrofes de dois versos. O último, mais irregular, é composto por 4 estrofes e cada uma delas apresentam, respectivamente, 2, 6, 6 e 4 versos.
“Até segunda ordem” é o título de um grupo de 5 poemas datados e iniciados por dia e mês. A forma deles é o soneto, sendo 14 versos distribuídos em duas estrofes de 4 versos iniciais e duas de três versos finais. Ainda, nesse grupo, podemos observar a influência da multiplicidade de gêneros textuais como: diário, carta, poema, bilhete, decreto, alvará. Há também, uma mistura a respeito da funcionalidade do texto, ou seja, na leitura, adquire-se a ação de informar, narrar, pedir, dialogar e mandar. Nesse sentido, o leitor é apresentado a impressões, a juízos e a alertas, de acordo com o conteúdo da matéria escrita. Além disso, é curioso a adoção do eu lírico por dispositivos de comunicação e de informação, não usuais cotidianamente, como o bip, a carta, o telefone e o disquete.
Este papel que se oferece virgem Ao bel-prazer da pena e tinta É todo teu, só teu, como não é, Nem nunca foi, a tua vida. |
Por entre as linhas incautas da leitura Ideia insidiosa se insinua,
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Em torno da cebola O ar é tenso de lágrimas. |
Até esta chegar às suas mãos Eu já devo ter cruzado a fronteira. Entregue por favor aos meus irmãos Os livros da segunda prateleira. |
Memória do leitor, “intertextos do leitor”, “interleitura”
“Até segunda ordem”, me faz lembrar de Dom Quixote, a partir da multiplicidade de gêneros da composição poética cervantina. Dom Quixote e Sancho Pança travam uma longa conversa durante a narrativa e nesse diálogo temos a presença da carta, de poemas, da novela pastoril, do teatro, da canção popular, entre outras formas.
3. Data: 15/06/2023
Texto: “Vidente do amor” de Bruno Zeni.
Texto: “A Cartomante” de Machado de Assis.
Considerações gerais
Aproximação afetiva, subjetiva, interna, arbitrária
A “releitura”, a “reescritura”, ou a “adaptação”, do texto “A Cartomante”, de Machado de Assis, feita por Bruno Zeni, em “Vidente do amor”, é curiosa e interessante. Curiosa à medida que o leitor vai tentando explorar o texto de Zeni a partir da sua leitura de Machado. Interessante, pois os mecanismos narrativos adotados, as adaptações realizadas e o final aberto são alguns dos elementos que geram discussões e prazer no diálogo com o texto.
Nesse exercício de releitura de um texto clássico, a narrativa ganha mais fôlego, pois é permitido ao leitor de Machado retornar ao texto de origem e tentar se aproximar ainda mais desse trabalho de reescrita. Parece um ato involuntário, o mecanismo de comparação e, pode ser, que a partir desse critério que a leitura deixa o leitor empolgado. Ou seja, na atualização, os efeitos de sentidos são ainda mais trabalhados, pois se requer do leitor uma percepção atenta, na medida que se tenta reconhecer o que é novo e o que é sobreposto. Além disso, a leitura se transforma em um triângulo: a leitura de partida, a leitura de chegada e ambas leituras.
Procura-se observar os aspectos formais, a condução narrativa, as alusões, os acenos, os ecos. Além disso, esses movimentos de memória, do que foi lido e do que está sendo, provoca no leitor um prazer da primeira lida. Aquela, talvez, bem lá no passado, que hoje assume leituras de outros. Talvez, seja nessa forma nova, que o texto se reescreve, há a oportunidade de sentir um vestígio da primeira leitura. Claro, já marcada, porém, no momento, convida a revisitação.
Dentre os aspectos comparativos, podemos citar a macroestrutura em que a narrativa se estabelece, no sentido de “espelhar” a discursividade machadiana. Em outras palavras, os textos precisam dialogar, pois está explícito o pacto com o leitor de uma reescritura a partir de, porém, o como narrar deve conversar com o quando e de que forma. Tudo deve ser notado na leitura, e é. Desse modo, temos semelhança como: início, meio e fim do texto (percurso narrativo), alusão a autores e obras (referências intertextuais), ambiente urbano, as capitais, triângulo amoroso, vidente, entre outros.
A extensão é de se notar também, mais longo o texto de Zeni. Mas vale a pena pelo final aberto. Essa história de “reality show”, “vida real”, marcada pela testemunha ocular das lentes de câmeras, é muito moderno. Além disso, a crença/fantasia versus a verdade/realidade se mesclam. As personagens oscilam entre os paradoxos existenciais, o que as seguram, as sustentam são seus desejos íntimos, como a ira, a vingança, a fidelidade, o amor, a paixão, a insegurança, o medo, entre outros sentimentos humanos. São eles que vão interagindo com as ações das personagens e deixando, ora explícito, ora implícito, a fragilidade humana, o descontrole e a incapacidade de previsibilidade.
No fim, tudo é uma possibilidade. E essa sensação de reticências no final do texto de Zeni, pode ter deixado o leitor incomodado. Cadê o final? Uai, gente. Caro leitor, o final está dado, qual é a sua leitura? De outro modo, Zeni conseguiu dialogar com o leitor, como bem faz Machado, a partir da inferência, da sugestão, que cabe a ele decidir. O que houve? Algo parecido com “Dom Casmurro”, que aliás, é citado por Zeni, ali, em um lugar quase imperceptível. O desfecho caberá a conversa especulante dos leitores de “A vidente do amor”.
Passagens marcantes
“Foi numa noite dessas, em um bar da moda, em estilo Rio-de-Janeiro-anos-50, que os dois, Michelle e Luciano, descobriram que era tarde. Os olhos tentavam dissimular o que os países baixos de cada um e os corações apressados teimavam em denunciar”. Essa passagem remete ao Rio de Janeiro, porém estão em São Paulo. Essa estratégia alude ao contexto do texto de partida, mas atualiza o espaço dando a entender que é possível estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ainda que não seja possível fisicamente, o que contraria as leis da física, esse período descritivo longo mostra também que São Paulo tem a capacidade de abrigar vários espaços distintos. A capital paulista, por sua diversidade, pode transformar qualquer espaço em um lugar vestido de outro, como por exemplo a região da Japão-Liberdade, do Bixiga, da Bela Vista, do Bom Retiro, entre outros. Além disso, essa passagem pode ecoar nos “olhos oblíquos e dissimulados” de outra personagem de Machado. Essa ideia do olhar, da atenção, do instante, da observação, pode ser bem interessantes para o leitor, afinal ele lê, olha, observa e tenta, a medida do possível, entender o mistério casual das palavras em linha reta.
“– A verdade é esta, meu caro. Não é novidade e não depende de verificação ou estatística. As evidências se impõem”. Esse pedaço de diálogo é interessante, pois a afirmação de uma verdade, reiterada e justificada a partir de duas negações posteriores me faz rir. Por último, em um estilo de frase feita, de ditado popular: “Contra fatos não há argumentos”, as tristes evidências se impõem. Para quem? Talvez, me faz lembrar de Bentinho também, calcado e subsidiado dentro de seu mundinho, vê o que quer e repete os mesmos discursos dos outros, na tentativa de operar uma inteligência notável, desconhecendo a grande insignificância da sua vida.
Memória do leitor, “intertextos do leitor”, “interleitura”
Ao ler o texto “Vidente do amor” me veio à cabeça a leitura da novela curta “O Curioso Impertinente”. Ela é uma das outras que compõem a primeira parte do livro “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes. O livro do cavaleiro manchego e seu fiel escudeiro é dividido em duas partes, a primeira publicada em 1605 e a segunda em 1615. Porém, no espaço da narrativa isso representa um mês, mais ou menos. Enfim, na primeira parte, as novelas curtas são inseridas na narrativa para exemplificar alguma ação ou pensamento das personagens, pelo menos essa é a minha leitura. O caso do “Curioso Impertinente”, pode servir como um exemplo de comportamento, ou seja, o que não se deve fazer. Porém, além dessa história pedagogizante que tem o intuito de condicionar possíveis comportamentos, é uma história interessante. A novela apresenta a amizade de dois velhos amigos. Um deles se casa e o outro para de frequentar a sua casa, pois, afinal, mudaram as prioridades e o amigo não deseja ocupar o tempo do casal. A intriga começa quando o casado pede um favor ao solteiro: testar a fidelidade, a castidade, a verdade de sua mulher. O final não poderia ser mais verossímil. Dialogando com as duas leituras: de Zeni e de Cervantes, é possível perceber que há pontos semelhantes, porém, as diferenças são mais atrativas. Por exemplo, no texto cervantino, a mulher Camila, tem mais relevância, mais destaque na narrativa. Ela também tem espaço na contribuição da intriga, no desfecho da história, ou seja, ela confabula, arma, observa, age. No entanto, no texto de Zeni e, de alguma forma também no de Machado, a mulher parece passiva, ou seja, recebendo a ação dos dois tontos.
Dúvidas, questionamentos, incertezas
Acredito que não gosto das personagens. Acho elas chatas, desinteressantes, monótonas, previsíveis, sem rumo. Talvez, a gente se identifica com esse marasmo existencial e espera algo diferente na literatura. Algo do tipo, pelo menos no ficcional deva aparecer a possibilidade de ser diferente, talvez, ainda, esperamos que, na ficção, encontraremos um caminho paralelo. Outra bobagem.
Porém, gosto da história e o como se narra. É divertido e instigante, como as imagens, os comportamentos, as nomeações, a intertextualidade, enfim, a maneira como o narrador vai mostrando e encobrindo, o seu movimento tem molejo e o suspense é instaurado, é produzido.
Questão de estilo, modo enunciativo, modo discursivo
Preciso aprender a fazer isso.
4. Data: 19/06/2023
Texto: “Teorias do medalhão” – Mariana Verissimo.
Texto: “Teoria do medalhão” – Machado de Assis.
Considerações gerais
Aproximação afetiva, subjetiva, interna, arbitrária
Gostei bastante do texto da Mariana Verissimo. A forma é muito interessante, pois a partir de receitas a autora alude ao texto machadiano. Além disso, a forma também sugere uma prescrição, um ensinamento, o “como fazer”, dialogando indiretamente com o texto do Machado, que faz isso no âmbito do discurso. O texto é engraçado e dividido em partes. Essas partes compõem seguimentos que misturam diálogos, narração, receitas para continuar a história base. A exploração da discursividade das personagens também é engraçada. Adequada aos caracteres das personagens. Além disso, o autor torna-se personagem na forma de imortal. De novo, é muito divertido ir reconhecendo as estratégias e pensando nelas.
Memória do leitor, “intertextos do leitor”, “interleitura”
Inicialmente o texto da Mariana Verissimo me lembrou o romance de Laura Esquivel, “Como água para chocolate”. Pela forma, de receitas, que a autora inicia seu texto.