Ateliê Literário | Edição 46 - Julho/2024
"Não é certo, não é justo"; "Rotina"; "Drummondianas" e "Resposta da Amélia"
Francilene Monteiro da Silva
* Textos produzidos a partir da Oficina Poesia ontem e hoje: vozes, letras e suportes, ministrada pelos professores Pedro Marques e Leonardo Gandolfi, na Biblioteca de São Paulo, em junho de 2024.
Não é certo, não é justo
O poema “Assédio Sexual” é da autora piauiense Eva Graça Brito, que participou da revista literária Piauí em Letras 3, em 2020, organizada pelo historiador, dicionarista, poeta e romancista Adrião Neto. A revista foi criada com o intuito de mostrar a cultura piauiense e reuniu diversos autores, desde pessoas do meio acadêmico, como também pessoas que se consideram “amadores” (que de amadores não têm nada), construindo, assim, uma amostra dos mais variados temas poéticos.
O poema “Assédio Sexual”, trata de tema polêmico e que assombra as mulheres nos dias atuais: o assédio e o descaso que, muitas vezes, as mulheres sofrem, principalmente quando não são ouvidas. Nesse poema, temos um corpo que fala, que é o da mulher que grita para a sociedade um manifesto de “abaixo o assédio”. Embora publicado de modo impresso, esse poema circula na internet por meio do blog Recanto das Letras disponível em: www.recantodasletras.com.br/autores/greyssy
Assédio Sexual
Alto lá!
Abaixo o discurso!
Não é certo, não é justo,
trocar figurino, alterar o percurso,
por causa de assediadores
atrevidos e inconsequentes,
que ficam à espreita
para mexer com a gente!
São gestos, palavras e atos,
que causam repulsa,
é assédio sexual,
violência estúpida
e não é nossa culpa!
Preste bem atenção
para não esquecer!
As nossas vestes,
o nosso modo de ser,
quaisquer caminhos
que estejamos a percorrer;
não autorizam eles,
ninguém, nem você,
ousar nos culpabilizar
e criminosos proteger
Rotina
Cedo acordo e trabalho
E quando o sol irradia
Não tenho hora pra voltar
Vida vazia da correria
Eu preciso descansar
Chego no escritório
mil papeis para assinar
Nessa sintonia monótona
é preciso carimbar
Deixar nesse diretório
Pro motoboy despachar
Cedo acordo e trabalho
Nada de novo vai rolar
É nessa luta de todo dia
eu ganho o pão de cada dia
Nessa rotina vou me sustentar
* Poema sobre melodia de Thiago
França, Malagueta, Perus e Bacanaço.
São Paulo: Goma Gringa, 2014.
Online: https://www.youtube.com/watch?v=xBICtQeVOCU
Drummondianas[1]
Ex-quadrilha
João se encontrava com Tereza
que se encontrava com Raimundo que
dava em cima de Maria que era
namorada de Joaquim que
cantava Lili que não queria
ninguém.
João morreu de tiro, Tereza rompeu
com Raimundo
Maria foi para os Estados
Unidos, Joaquim ficou sem casamento
e Lili transformou-se em J.
Pinto Fernandes
para contar a sua verdadeira história.
Bloguesinhos Quaisquer
Poses de blogueiras
Todas as suas maneiras
Postar, por favor, postar.
Um homem vai performar.
Uma mulher vai desfilar.
Todos querem hypar.
Devagar... Os seguidores
passam a admirar.
Eita, Capitalismo, cada dia alienando mais bestas.
Resposta da Amélia
Você
sempre teve a insolência
de
se fazer de bom rapaz.
Você
não sabe o que é penitência,
casar
com mau-caráter e nunca viver em paz.
Você
só queria viver da luxúria e dos seus prazeres...
Saía
com tantas mulheres
e
mentia sempre com os mesmos dizeres
e
eu sempre cuidando da casa e dos meus afazeres.
Ai,
meu Deus, como eu era
Não
venha me dizer que sente saudades daquela Amélia!
Passei
fome a seu lado
e
nunca achei bonito não ter o que comer.
Nunca
quis contrariá-lo
por
medo de você me bater.
Sempre
fui mulher de verdade,
sempre
tive vaidade.
Mas,
você com seu egoísmo,
cortou
todas as minhas vontades.
Agora,
não venha me dizer que sou a mulher de verdade...
Basta!
Não acredito mais em sua lealdade...
Será
que você nunca percebeu,
que
com toda essa tua vaidade
tu
é que nunca foi homem de
*
Resposta à canção Ai, que saudades de Amélia (1955), samba de Mario Lago
(1911-2002) e Ataulfo Alves (1909-1969).
Online: https://discografiabrasileira.com.br/composicao/111686/ai-que-saudades-da-amelia
[1] Sobre os poemas “Quadrilha”
e “Cidadezinha Qualquer”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), publicados no livro Alguma
Poesia (1930).