Ateliê Literário | Edição 43 - Abril/2024
Negro ou pardo não é questão de opinião
Francilene Monteiro da Silva
Estas são as impressões literárias de Francilene Monteiro da Silva, participante da oficina “A Literatura do Brasil pelo Norte”, conduzida por Yurgel Pantoja Caldas, professor e pesquisador da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), na Biblioteca Parque Villa-Lobos, em fevereiro.
Boa leitura!
Numa
segunda-feira, saí de casa para uma entrevista de emprego. Eu caboclo do sertão
que trabalhou muito na chuva e no sol, com calos nas mãos de tanto segurar a
enxada, sempre tive uma vida difícil. E foi com muito sacrifício que cursei a
faculdade de Publicidade para tentar melhorar de vida. Eu nunca havia negado
minhas raízes, apesar de estar ciente que nasci fruto de uma miscigenação:
branco com índio.
Digo-lhes
que há coisas do cotidiano que podem ser reveladoras: umas pelo ineditismo – as
mais fáceis – e outras pela constância com que ocorrem, essas mais difíceis de
perceber justamente porque estão na ordem do comum. Mas existem experiências
que estão entre a raridade e o previsível. Foi assim na minha entrevista de
emprego, quando a moça que fazia o recrutamento para uma vaga numa agência de
publicidade me perguntou sobre a minha cor. Estranhei a pergunta porque na
ficha que preenchi eu já havia indicado: “pardo”.
A
moça, mesmo sabendo da resposta sobre a minha cor, me encarou por um momento e
disse que eu tinha um excelente currículo, que minha cor de pele estava mais
para branco do que para pardo. Diante da situação, fiquei ainda mais pasmado
quando ela imediatamente corrigiu minha ficha marcando com um “x” no campo onde
dizia “branco” e apagou o “pardo”. Disse que eu poderia começar a trabalhar na
próxima semana. O mesmo não aconteceu com um colega que era negro, que também
estava na entrevista e foi descartado, apesar de ter um currículo muito melhor
que o meu, pois disseram que ele não tinha o perfil para a vaga.
Naquele
momento, não tive coragem de entrar numa discussão com a tal moça e muito menos
de retrucá-la quando ela afirmou que eu era branco. Depois de duas horas de
espera pela entrevista, eu estava extremamente cansado e, por outro lado, eu
também não gostaria de ser reprovado no processo seletivo.
Confesso
que saí daquela entrevista com um misto de decepção e vergonha da minha conduta
por ter negado minhas raízes. Ao sair da entrevista, fui o caminho todo
pensando que não sou melhor que ninguém, porém em certas ocasiões o chicote em
mim bate com menos força.