Ateliê Literário | Edição 51 - Dezembro/2024

Notas de Trilha

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Mariana Rodrigues

* Texto produzido a partir da oficina “Literatura com som na caixa: trilhas sulinas brasileiras”, ministrada pela professora e escritora, Deise Abreu Pacheco, na Biblioteca Parque Villa-Lobos, em outubro de 2024.  


Primeiro movimento

 

16h de uma tarde nublada. O corredor é um pouco frio, mas depois de dois lances de escadas já sinto calor. Estou cansada, não pelas escadas.

No quarto andar tem uma jiboia.

No quinto, tem uma árvore da felicidade.

No sexto, uma espada de São Jorge e uma música que vem do apartamento da vizinha de franja que assina a revista Quatro cinco um. É aquela da Bethânia: “quero ficar no teu corpo feito tatuagem”. Agora, feito tatuagem, a música fica na minha cabeça.

No sétimo andar tem uma samambaia um pouco caída e eu paro em frente à porta 73, que é igual à minha e a todas as outras portas do prédio, a não ser pela flâmula com um arco íris bem abaixo do olho mágico. Toco a campainha, sinto o cheiro do café e escuto um grito alegre: Pode entrar, minha amiga!

 

Segundo movimento

 

Tem uma coisa que só posso dizer em carta. Só posso dizer em carta porque de qualquer outro modo eu iria deixar pra lá quando a primeira palavra estivesse se formando na minha boca. Ia mudar de direção e falar do sabor do vinho e perguntar qual o teu signo e aí a conversa nunca mais voltaria para essa confissão que vou fazer agora. Aqui a tinta não vai se apagar por anos e anos, não vai ter como eu negar. Vou dizer, porque é melhor que você já saiba antes de se apaixonar. (Será que você já está apaixonada? Será que estou te confessando isso porque uma parte de mim quer que você se espante e fuja? Ou quero ser amada, apesar de?) Querida, devo confessar que amo Legião Urbana, escuto todos os dias, não posso ver um violão que vou lá tocar “Tempo Perdido”, gosto até da versão remix.

Um beijo, tchau.

Te vejo na quinta.

(Você ainda quer me ver?)

 

Terceiro movimento

 

Quais os caminhos que eu (que não sou eu) percorro dentro da cabeça dela?

 

Quarto movimento

 

Eles abrem a porta: tudo se transforma em uma coisa que eu não sei bem como descrever, mas é macio e amplo e refrescante. Uma casa cheia de amigos e risadas, eventuais abraços, sapatos deixados em um canto da sala e uma performance de Marina Lima.