Ateliê Literário | Edição 51 - Dezembro/2024

Notas de Trilha

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Francilene Monteiro da Silva

* Texto produzido a partir da oficina “Literatura com som na caixa: trilhas sulinas brasileiras”, ministrada pela professora e escritora, Deise Abreu Pacheco, na Biblioteca Parque Villa-Lobos, em outubro de 2024.


Primeiro movimento

 

Ando três quadras até chegar ao parque, passo pela rua Treze de Maio, pela rua Oito e pela rua Esperança, pois preciso chegar ao Parque Estadual para fazer exercícios, já que essa vida de sedentarismo está me adoecendo.

Tenho sorte por não estar chovendo hoje, senão eu nem conseguiria sair de casa. Odeio dias chuvosos, porque eles contribuem ainda mais para o meu sedentarismo, mas, por outro lado, esse calor está insuportável.

No meio do caminho, na padaria Pão doce, escuto tocar minha música favorita “Fly”, da cantora Avril Lavigne. Uma parte da música diz assim:

 

“Então se você sentir vontade de desistir

Apenas lembre-se de uma coisa

Nós todos fomos feitos para voar

Abra suas asas através do universo

É sua hora de brilhar

Há uma luz dentro de todos nós

Em breve você vai descobrir que é a sua hora de brilhar”

 

Quanto mais eu me aproximo do parque, a música vai ficando cada vez mais distante, até que ela some por completo. Quando passo perto de uma lanchonete, avisto uma placa na parede onde estava escrito: Sorria, você está sendo filmado. Procurei onde estava a câmera, mas não consegui encontrá-la, talvez ela estivesse me observando de algum lugar lá de cima do estabelecimento.

Quando chego ao parque, vejo poucas pessoas se exercitando e, no meio do gramado, dou de cara com uma porta de madeira que não tenho a mínima ideia para onde ela pode dar. Fiquei parada, observando-a e ao mesmo tempo pensando: por que é que essa porta chega assim bem de repente? Como para tudo nesta vida existe uma explicação, acabei descobrindo que a porta parada na minha frente pertencia ao marceneiro do bairro. Ele fazia portas por encomenda e logo ia colocar a porta no caminhão e levar para algum cliente.

 

Segundo movimento

 

Olhando esse retrato, lembro-me que éramos todos alunos da Escola Estadual de São Paulo. Nunca me esquecerei daquela tarde fatídica, na 8ª série, em que fui obrigada a jogar vôlei na escola, sem saber jogar.

Fui escolhida sem critério algum de talento, apenas porque a professora de Educação Física cismou que eu deveria jogar vôlei. A professora me colocou num time de meninas frescas de outra sala que eu nem simpatizava. Lembro-me que tentei a todo custo fazer com que a professora desistisse dessa ideia absurda, pois, naquela época, eu detestava vôlei, e hoje, continuo detestando.

Antes do jogo começar, me deram instruções que pra mim não faziam sentido algum, até mesmo porque eu não estava familiarizada com aquele jogo, afinal de contas jogar vôlei nunca foi a minha praia.

Quando o jogo apitou, era o início de um desastre. Vi a bola indo de um lado para outro, e quando ela vinha na minha direção, eu sempre me esquivava para que a bola não me acertasse. Resumindo: eu tinha medo da bola.

Naquele dia, naquela quadra, naquele sol de trinta graus, eu não conseguia enxergar nada, nem bola, nem sol, só ouvia os gritos:

– Pega a bola, garota! Tá cega?

Não sei quanto tempo aquele espetáculo micante durou, só sei que levei umas quinze boladas na cara e meu time perdeu o jogo. E ainda tive que aguentar os alunos me zoando por conta disso.

Confesso que aquele foi um dos dias mais vergonhosos da minha vida, queria enfiar a cara num buraco. Ainda bem que tudo nessa vida passa e esse momento ficou escondido nas profundezas da minha memória. Nunca tive coragem de compartilhar isso com ninguém, pois como diz a música de Lulu Santos: “o que eu ganho, o que eu perco, ninguém precisa saber”.

 

Terceiro movimento

 

Como está a sua criança interior hoje?

 

Quarto movimento

 

A criança é o futuro, procure cuidar bem da sua criança interior de hoje para que ela seja uma criança brilhante amanhã.