Ateliê Literário | Edição 47 - Agosto/2024
O caipira no trem
Francilene Monteiro da Silva
* Texto produzido a partir da oficina “Relações entre música sertaneja e canção popular urbana”, ministrada pelo escritor, professor, linguista e músico Álvaro Antônio Caretta, na Biblioteca Parque Villa-Lobos, em junho de 2024.
Andano
em São Paulo o que mais me aborrece é esse diabo de trem. Quem algum dia andou
naquela geringonça, nunca se esquece daquele vaivém dos infernos.
Saí
lá das banda do sertão de Minas pra trabaiá em São Paulo, porque fiquei sabendo
que lá tinha emprego pra todo lado e resorvi verificá com meus próprios zóio.
Num
domingo à noite, saí de minhas terra e fui chegá em São Paulo logo de manhã na
segunda-feira. Meu amigo Totonho já tinha me dito para eu ter cuidado, porque
segunda-feira de manhã em São Paulo era a hora que o povo pegava o trem pra ir
pro trabaio. E, eu matuto que era, não conhecia a cidade, como também nem sabia
como era a estação de trem.
Quando
cheguei na estação de trem, vi uma multidão de gente, e a estação tava ficando
cada veiz mais cheia, parecia um formigueiro, nunca vi tanta gente na minha
vida, era homi, muié e jovem tudo indo trabaiá. Fiquei uns dez minuto esperando
o trem na região do Brás. Depois de mais alguns minuto, disseru nos holofotes
que o trem já tava era atrasado. Aí, quando a estação já não cabia mais
ninguém, o danado do bicho chega. E foi nesse momento que a porca torceu o
rabo, porque quando as porta se abriru era um vaivém de gente entrano e saino,
e eu nem conseguia entrar, tinha um monte de gente esbarrando em mim, fiquei
sem saber o que fazer. Mas mermo com tanto barulho, ainda consegui escutar os
gritos de um cabra:
–
Sai da frente, caipira lerdo!
Eu
que não sou besta nem nada, já fiquei com o sangue fervendo e falei pra ele:
–
Ara, caipira é a mãe!
Não
me lembro o que o homi disse pra mim depois disso. Como não sou besta nem nada,
só sei que antes daquele brutamonte me enchê de porrada, dei um pulo e sartei
pra fora do trem.
–
Oxi! São Paulo pode até ser uma terra do trabaio, da garoa e da fartura, mas
também é de gente sem inducação. Eita, gente impaciente e apressada que só uns
cão, falam tão mal de nóis da terrinha, mas na hora de curtir lá uma festa
junina, fica todo mundo orgulhoso e se sentindo caipira. Eita, povo doido!