Ateliê Literário | Edição 41 - Fevereiro/2024
O causo da assombração
Francilene Monteiro da Silva
A oficina "Dois Dedos de Prosa: o Caipira e a Literatura Brasileira", ministrada pelo professor Fábio Martinelli Casemiro, na Biblioteca Parque Villa-Lobos, em dezembro de 2023, inspirou Francilene Monteiro da Silva a mergulhar no mundo de personagens e cenários caipiras.
Confira!
Vô conta um causo que aconteceu comigo
lá pelas banda do sertão do Piauí.
Eu trabalhava como cortador de cana num
lugar ondi tinha muito mato, mas que também tinha muito cabra trabalhador.
Acontece que, pra nóis chegá no
trabalho, a gente passa pela estrada velha di terra do cimitério, lugarzim que
de noite é escuro de metê o dedo no zói, e os cabra di lá onde eu trabalhava
diziam ser mal assombrado. Eles diziam que ali tinha muita assombração de
arrupiar os cabelos, e que a recomendação era: não passar lá muito tarde da
noite pra não correr o perigo de ser assombrado. Eu, cabra macho que era, já
dizia logo:
- Cêis deixa de ser besta que
assombração num existe, cêis são tudo é doido!
Um dia, não consegui sair do trabalho
na hora certa e acabei me atrasando pra ir pra casa. Era umas oito horas da
noite quando peguei minha bicicreta, uma Caloi já velha, antiga e comecei a
pedalar rumo à estrada. A distância entre minha casa era grande e eu ia demorá
umas três horas pra chegar lá.
Eu tava pedalando ligeiro com o intuito
de chegar mais depressa em casa, mas quando passei perto do cimitério, senti um
peso na garupa da bicicreta:
– Rapaiz!! fiquei todo arrupiado e num
tive corage de olhar pra traz, só sei que a medida que eu ia pedalando, o
negócio ficava mais pesado, aí quando passei do cimitério, senti que num tinha
mais peso na minha garupa. Isso me deu um alívio dos diabos!
Depois disso, nunca mais saí tarde do
trabalho. Agora, se era assombração ou não, num sei, só sei que o fenômeno
deixa qualquer cabra macho cabreiro.