Ateliê Literário | Edição 46 - Julho/2024

"O Eco Azul da Amazônia"; "Samba, Malícia e Vida"; "Drummondianas" e "Vozes e Identidades"

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Sônia Regina Silva

* Textos produzidos a partir da Oficina Poesia ontem e hoje: vozes, letras e suportes, ministrada pelos professores Pedro Marques e Leonardo Gandolfi, na Biblioteca de São Paulo, em junho de 2024. 

O Eco Azul da Amazônia


Fonte: https://arvoreagua.org/biomas/amazonia/bacia-amazonica

A Bacia Amazônica representa a nossa diversidade cultural em rios-poesias, os quais, segundo a imagem desse espaço geográfico, constituem uma árvore de água, na cor azul, onde há muitos peixes-poemas nativos dessa região que nadam livremente nessas águas poéticas pertencentes a todos os brasileiros.

O peixe-poema pescado pertence ao rio Amazonas, que possui a forma de uma raiz com vários troncos, nos quais há inúmeros rios que abrigam os demais peixes-poemas, simbolizando uma narrativa que conta a história do Brasil, do seu povo e da sua relação com a natureza. Ele nada nas páginas dos livros, flui através das conversas e se espalha através da internet, dos blogs, dos podcasts, dos jornais, das revistas etc. Sendo, portanto, como a água, sempre em movimento, sempre mudando, mas sempre essencial. Logo, é um espécime único do Brasil, nascido nas profundezas azuis da Floresta Amazônica que pertence ao mundo. Ou seja, ele é de todos nós que valorizamos a natureza.

Esse peixe-poema, como também os demais, falam da exploração insustentável dos recursos hídricos, da poluição causada pelo homem e das mudanças na natureza. Mas também retrata sobre o passado em relação à rica história e cultura dos povos indígenas que viveram em harmonia com a Amazônia, além da necessidade de a proteger, a fim de que a respeitemos, aprendendo com o passado sobre as boas relações que o homem tinha com essa natureza. E, assim, lembrando-nos da importância da sustentabilidade e preservação do meio ambiente. O que nos ajuda a entender o presente e a buscar inspirações rumo à construção de um futuro melhor, ausente das desastrosas interferências humanas na natureza.

Dessa maneira, deixo como legado à humanidade o poema A voz do Rio Amazonas       

 

O Rio Amazonas é o nosso rio-poesia,

Nossa criatura de beleza e mistério,

Que de mistério e beleza se faz o “Pai” dos peixes-poemas.

 

Ausência de poesia é mudar o curso, a forma e o estado das suas águas encantadas.

Temos tanto para mostrar, contar e cantar a canção sobre a magia de suas águas tão melodias.

 

Ouço o velho bordão “Como pode o peixe vivo viver fora da água fria?”[1]

“Como poderei viver sem a sua companhia?”[2]

Mas, o que fazemos?

Sujamos os rios... Interferimos em seu ecossistema...

Colocamos fim em sua musicalidade tão cristalina.

 

Termina o baile das águas azuis da bacia hidrográfica,

que representa profundidade e vastidão da poesia hídrica.

 

Carregamos as marcas da agressão humana contra o meio ambiente,

Salvemos o Eco Azul da Amazônia, lembrando da nossa responsabilidade para com o planeta e as gerações futuras.

ABSURDO é a natureza perder seu lugar.



[1] “Peixe Vivo” é uma cantiga popular brasileira e sua autoria original é desconhecida.

[2] “Idem”.


Samba, Malícia e Vida

Malandro tem um gingado

Na rua é rei sem a lei

Ginga, ginga como um rei

Como um rei tem balanço

 

Samba, samba e engana

É sem lei e sem pudor

Riso aberto e enganador

E na rua é o sacana

 

Tem malícia com graça

É safo e sorridente

Malandro e imprudente

Faz do viver sua dança

 

 

* Poema sobre melodia de Thiago França, Malagueta, Perus e Bacanaço. São Paulo: Goma Gringa, 2014.
Online: https://www.youtube.com/watch?v=xBICtQeVOCU


Drummondianas[1]

Desejo Entre Extremos

Entre o início e o fim, havia incessantemente um desejo

havia incessantemente um desejo entre o início e o fim

havia incessantemente um desejo, sempre um desejo.

 

Jamais esquecerei esse desejo

latente em minhas inúmeras reminiscências.

Jamais esquecerei que entre o início e o fim

havia um desejo, sempre um desejo

entre o início e o fim, havia um desejo.

 

Objeção Vital

No curso da vida, uma objeção

uma objeção no curso da vida

uma objeção, sempre uma objeção.

 

Não esquecerei esse instante

marcado nas páginas da minha vida.

Não esquecerei que no curso da vida

uma objeção, sempre uma objeção

no curso da vida, uma objeção.


Vozes e Identidades

Quem sou eu, diz a voz no crepúsculo,

Procurando uma identidade em um mundo sombrio.

 

Está em constante movimento dos pensamentos, nunca em paz,

Parece ser uma voz ecoando no vazio dos palcos da vida,

Ou que dança ao sabor do vento sem destino.

 

No crepúsculo do palco da vida, a voz se eleva com as

Suas mil faces, mil vidas e diz:

Não sou eu, mas um coletivo de “eus”.

 

Sou todos que já foram,

Eco de outras vozes perdidas, históricas ou não,

Um ator sem rosto próprio, com passado indefinido,

Eco de lágrimas, sorrisos ou risos contidos,

A tristeza e a alegria de um ser fracionado.

 

Num sussurro a voz revela sem perceber segredos escondidos,

Confissões de sentimentos difusos,

Mas a verdade é um véu, um manto fluido,

E a essência da voz permanece um enigma não resolvido.

 

Sou a vítima de um drama imitado pela vida,

Porém, a heroína de uma trama não escrita,

Neste palco, minha voz se agita e minha alma grita.

 

Mas quem fala? Quem realmente é essa voz?

A identidade se esvai e desfaz a cada verso,

A voz é de muitos ou de ninguém, talvez,

Onde cada palavra é um disfarce, uma inquietude.

 


[1] Sobre o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), publicado na Revista de Antropofagia (1928), conhecido por sua estrutura repetitiva e seu simbolismo sobre os obstáculos da vida.