Ateliê Literário | Edição 47 - Agosto/2024

Poderosa branquinha

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Sônia Regina Silva

 * Texto produzido a partir da oficina “Relações entre música sertaneja e canção popular urbana”, ministrada pelo escritor, professor, linguista e músico Álvaro Antônio Caretta, na Biblioteca Parque Villa-Lobos, em junho de 2024. 


                  Cachaça boa é o que me faz feliz nos butecos que costumo frequentar, desde finais de tarde até altas horas da noite. Posso dizer a ocês que o dono do botequim, no qual sou conhecido e me sinto à vontade, é o mais desavergonhado dos cabras caipiras. Ele atende pelo nome de Seu Armandinho, mas é mais comumente chamado de o caipira da barba rala e grisalha, de pele avermelhada. Ele usa, desde sempre, uma camisa xadrez vermelha de algodão, calça de brim azul escuro e chinelos de dedo pretos.

            O botequim fica no Mandaqui, um lugarzinho simples, rústico e acolhedor, onde é meu ponto de encontro com uma deliciosa cachacinha que nada me atrapaia. Ao chegar, me sento em uma das cadeiras reservadas exclusivamente para mim. E então, desembesto a prosear sobre minha vida com a ajuda da braba branquinha, descendo-a goela abaixo enquanto puxo meu fumo de palha, sem tempo para terminar com meus devaneios. Eta, vida maneira por demais!

            Seu Armandinho se compraz com as minhas conversas fiadas, que a poderosa da pinga desperta em mim. Isso tudo, diante de uma fartura de torresmos, mandioca frita, linguiça, pastéis, carne seca e muito mais, cortesia de um dos butecos mais frequentados do Mandaqui, ao som ambiente e envolvente das violas que tocam músicas sertanejas, como as modinhas populares, catiras e outros gêneros típicos. E, assim, ao lado daquela marvada garrafa de vidro de aguardente, muitas vezes, com rótulos antigos e desgastados, desgarro a falar e cantar com muita alegria, mediante minha voz rouca e de coração aberto, o que vem à cabeça:

 

E bebo de noite pra fazer suadô, oi lá

[...]

Cada vez que eu caio, caio deferente

Me arço para trás e caio pra frente

Caio devagar, caio de repente

Vou de currupio, vou deretamente

Mas sendo de pinga eu caio contente, oi lá

 

Logo, entre goles e tropeços, a vida segue embalada pela moda da pinga e pelo riso ilimitado que me causa. O buteco, com sua simplicidade e beleza rústica, continua a girar, como um pião desgovernado, levando consigo os segredos e encantos de minha alma caipira, que nunca deixará de existir ao lado da branquinha, que é poderosa, m’ia gente!