Ateliê Literário | Edição 44 - Maio/2024
Terezinha (Qualquer semelhança não é mera coincidência)
Francilene Monteiro da Silva
Francilene
Monteiro da Silva, participante da oficina
“O povo brasileiro na literatura, construindo identidades”, ministrada pela
professora e pesquisadora Lilian do
Rocio Borba, na Biblioteca de São Paulo em março de 2024, parte
de uma referência, Conceição Evaristo, para construir sua personagem Terezinha.
Boa leitura!
Estava
eu num curso de literatura e a professora estava nos mostrando alguns
escritores negros, quando ela nos presenteia com o livro Olhos d’Água,
de Conceição Evaristo. A obra foi publicada em 2014 e reúne quinze histórias do
cotidiano, de personagens negras que tentam lidar com os problemas da
marginalização, do racismo e das condições degradantes do trabalho de
doméstica, dentre outros temas.
Claro
que, ao ler os contos de Conceição Evaristo, me veio imediatamente a minha
memória uma pessoa que conheci há alguns anos, Terezinha.
Conheci
Terezinha quando ela se mudou para o barraco da rua de cima da minha casa.
Mulher preta, simpática, tinha cinco filhos e um marido que trabalhava de bicos
de pedreiro. A vida era dura, mas eles tinham esperanças de que tudo ia
melhorar.
Um
dia, Terezinha cansada de ter que esperar que o dinheiro do marido sobrasse
para que ela pudesse comprar o material escolar das crianças, resolveu arranjar
um emprego, afinal de contas, ela queria que os filhos estudassem, coisa que
ela nunca pode fazer quando era mais jovem.
Terezinha
arranjou um emprego como doméstica na casa de uma professora, Dona Lúcia,
mulher negra, bem estudada, seu marido era policial civil aposentado e, nas
horas vagas, era agiota. Eles tinham uma casa grande e dois filhos, uma menina
e um menino, crianças bem educadas.
No
início, Terezinha era só contentamento, a patroa era boazinha. Quando ela se
deu conta, já havia passado quinze anos trabalhando naquela casa. Ela cuidou
dos filhos da mulher, viu-os crescer, lavou, passou, cozinhou, sem descanso. Foi
sempre honesta, os patrões podiam deixar vinte mil às vistas de Terezinha que
ela, mulher muito correta, nunca pegou um tostão.
Terezinha
acordava às cinco horas da manhã para ir ao trabalho e só retornava para casa
às 19h da noite. Ela nunca reclamava. De repente, num dia qualquer, a patroa
foi se tornando amarga, não concedia mais férias à Terezinha e sempre a
presenteava com comida ou frutas estragadas. E, Terezinha, coitada, aceitava
para não fazer desfeita.
Veio
a pandemia de Covid 19, a patroa disse que não precisava mais dos serviços de
Terezinha, pois o Brasil estava em crise, a patroa estava em crise e pediu a
ela que assinasse alguns papéis para que Terezinha, enfim, conseguisse a sua
aposentadoria. Terezinha ficou feliz e assinou todos os papéis sem ler uma
linha sequer, pois ela não sabia ler, nunca fora à escola. Terezinha sofreu um
golpe, a patroa negra, pisara em outra negra!
Terezinha
morreu há quatro anos, não teve aposentadoria, foi escrava e, finalmente, agora
descansa.
Ao
término da aula, tomo o meu caminho de todos os dias. Pego o trem e lá encontro
as diversas Terezinhas cansadas e exaustas voltando para casa, depois de uma
longa e pesada jornada de trabalho.