Edição 09 - Junho/2021 | Tema

A hora e a vez do videoclipe LGBTQIA+ no Brasil

Ilustração: Fernando Siniscalchi. Inspirada na obra "Retrato de Adele Bloch", de Gustav Klimt.

Não mais sob o controle quase exclusivo da Rede Globo, com os “clipes do Fantástico” dos anos 1970 e 1980, nem tampouco concentrado demais, como a partir da década de 1990, nas mãos de realizadores sudestinos plenos de capital social no campo de produção audiovisual, o videoclipe brasileiro tem se diversificado e florescido nessa segunda década do século XXI. São fatores para isso, a acessibilidade aumentada das tecnologias digitais de filmagem e edição, a disponibilização gratuita de vídeos musicais em plataformas como o Youtube ou Vimeo, assim como a amplificação alcançada pelo compartilhamento nas redes sociais. Da TV para a Internet, o clipe brasileiro faz mais do que apenas sobreviver, ele se revitaliza, e há, nessa verdadeira dinamização, o papel marcante de uma leva de artistas assumidamente pertencentes à comunidade LGBTQIA+. A oficina “O lugar LGBTQIA+ no videoclipe brasileiro contemporâneo” – por mim ministrada em cada sábado de abril de 2021 – foi inspirada justamente pela presença audaciosa dessas instâncias realizadoras. A audácia de não somente partir de pautas de identidade de gênero e orientação sexual pouco presentes em clipes nacionais de décadas anteriores, mas também de o fazer em direção à interseccionalidade com outros tantos marcadores de identificação, a exemplo de etnia/raça, origem geográfica, classe social, corporeidade etc. Desse modo, ao tensionar, questionar e/ou contestar a cisheteronormatividade, esse segmento da produção videoclípica nacional coloca em xeque outras formas estruturais de privilégio e discriminação.

Não é pouco relevante que todo esse potencial esteja aliado ao caráter massivo, comercial e popular do formato videoclipe, especialmente entre jovens. Nesse sentido, a oficina esteve aberta para pessoas a partir dos 16 anos, buscando aguçar um olhar analítico derivado da articulação dos seguintes eixos: o esclarecimento de conceitos importantes relativos a questões genérico-sexuais; a identificação dos estilos predominantes de obras presentes em extensa playlist, que foi elaborada para a oficina; a anotação cuidadosa dos principais elementos textuais do clipe selecionado pela/o participante e, finalmente, a pesquisa da trajetória de artistas em frente às câmeras ou de suas/seus parceiras/os por trás delas.

Apesar do alcance do meio e da urgência do tema, o videoclipe como um objeto de análise ainda é algo desafiador, que talvez assuste, no momento do empreendimento interpretativo, por aliar brevidade de duração a arquitetura condensada e intricada de significados textuais, contextuais e intertextuais. Ainda assim, o leitor do site pode conferir o resultado em duas análises que publicamos aqui. Coincidentemente, ambas escolheram, como objeto de seus textos, um mesmo videoclipe, "Oração". A obra de 2019 foi dirigida por Sabrina Duarte para a cantora Linn da quebrada, que se responsabilizou pelo roteiro e direção artística. Realmente, é difícil imaginar uma artista mais emblemática das interseções identitárias tratadas em nosso percurso para o projeto.

Por Rodrigo Ribeiro Barreto

Veja, a seguir, as duas análises produzidas como resultado da oficina “O lugar LGBTQIA+ no videoclipe brasileiro contemporâneo”, ministrada em abril pelo professor Rodrigo Ribeiro Barreto, dentro da programação da Biblioteca Parque Villa-Lobos.

Juliana Protásio

Thiago Vinicius Caetano Serafim

Rodrigo Ribeiro Barreto é professor-adjunto da Universidade Federal do Sul da Bahia, no campus de Porto Seguro, com atuação na área de Humanidades e Artes. Na UFSB, ele ministra aulas nos seguintes cursos: Bacharelado Interdisciplinar de Humanidades; Licenciatura Interdisciplinar de Ciências Humanas, Sociais e suas Tecnologias e Som, Imagem e Movimento. 




Leia também

Literatura com som na caixa: trilhas sulinas brasileiras

Nesta oficina abordamos a prosa literária de Caio Fernando Abreu, Carol Bensimon, Natalia Borges Polesso e Sabina Anzuategui, autorxs nascidxs no sul do Brasil entre os anos 1940 e 1980 do século XX, tendo em vista a relação entre produção literária e trilha sonora. Nesse sentido, enfocamos ...

Leia Mais!
A Literatura Negra como herança de um Brasil Crioulo

 Ao pensarmos na formação da literatura nacional e seus marcadores raciais, na maioria das vezes surgem algumas indagações em torno das temáticas que envolvem escritos produzidos por autores negros, além de uma tensão de como classificar essas produções. Resgatando o conceito de Cuti Silv...

Leia Mais!
Amazônias poéticas: culturas, heterogeneidades, hibridismos

Em estudo primoroso, Ana Pizarro (2012) detecta que os escritos sobre Amazônia possuem uma especificidade. A grandiosidade da floresta e a dimensão fluvial saltam aos olhos de quem se defronta com ela. O rio é espaço, moradia, elo entre comunidades. Por ser uma fonte de nutrição para humanos ...

Leia Mais!
Mundos possíveis da ficção sertaneja

Convém reconhecer, desde logo, a imprecisão do título desta oficina. A categoria "prosa sertaneja" não corresponde a uma noção evidente, estanque ou autoexplicativa, sendo necessário conferir-lhe precisão e consistência. No caso, a prosa analisada acomoda textos díspares, escritos em circ...

Leia Mais!
A moda caipira encanta a nova metrópole

Na oficina Relações entre música sertaneja e canção popular urbana, trabalhamos com o cancioneiro sertanejo, observando o diálogo das canções com as transformações da cidade de São Paulo, procurando compreender, a partir do estudo das composições, os processos de assimilação da cultu...

Leia Mais!
Poesia brasileira no XXI: vozes, letras e suportes

Escrever sobre a poesia do século XXI é uma tentação de muitas faces. A face juvenil reuniria seus amigos identificados pela vida e arte. Nós os representantes da geração, compartilhando livros, autores, referenciais e estilos. Tudo tão bonito a ponto de provocar inveja a quem não foi conv...

Leia Mais!