Edição 01 - Outubro/2020 | Tema

Críticas e algumas bem-vindas crises: da poesia à prosa

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Quanto das nossas experiências de leitura pode ser comunicado, transformado em palavras alongando o próprio fio da obra recém-contemplada? Mais: como esse exercício pode também ampliar nosso horizonte de entendimentos, de mais dúvidas ainda, iluminações e perturbações de todos os tipos? Um pouco a partir de perguntas assim foi estruturada a oficina “Críticas sem crise: da poesia à prosa”, ocorrida nos sábados de junho – o mês-do-meio-do-ano, o tal de 2020, seus dias com o indesejado adjetivo de pandêmicos. Encontrar aí a literatura e se propor a olhá-la em minúcia passa também por, de certa forma, nos permitir novos encontros com a palavra nos desencontros de um período assim caótico.

Ali, a produção de autoras brasileiras foi o foco. E, se a palavra crítica de início parece pesada por si só, meu esforço foi no sentido de estimular que as elucubrações das e dos participantes passassem ao papel, à tela, à superfície, enfim, funcionando como ponte para novas descobertas de leitura do coletivo. É preciso alguma confiança para arriscar colocar no papel e na tela o que nos atravessa depois da matéria literária, criando tensão entre ela e nossa bagagem referencial, nossas leituras de mundo. Uma vez em contato com um livro, cúmplice é a pessoa leitora em alguma medida do universo a ela revelado ou, quem sabe, mais envolto em mistérios.

Mas é só falar bem? Mas e aquilo de “falar mal”? E se meu texto também for poético, pode? E tem problema se o livro já for bem conhecido? – as inquietações (crises?) tantas sobre a crítica, no contexto de uma oficina na biblioteca, não são senão possibilidades de campo aberto para a própria produção. E por falar em espaços abertos, o campo dos afetos se fez bastante presente conforme as identificações com os diferentes nomes de escritoras e poetas surgiam. Saber de algumas características gerais a respeito de uma obra literária desconhecida, naquele momento, nos pareceu tão interessante quanto saber das perspectivas de quem escrevia a resenha sobre ela. Com as obras que já conhecíamos, o mesmo processo se dava: o que será que essa pessoa me diz sobre esse livro? E como será que ela vai dizer?

Confiar e valorizar as nossas experiências de leitura foi, nessa prática de compartilhamento, análise, pesquisa, escuta e, vejam só, um movimento de coragem. Olhar; olhar de novo; olhar de outra forma. Fazer jus à escrita da mulher poeta, da mulher escritora: escrever sobre sua obra. E que as pequenas crises dentro disso sejam as melhores possíveis, fruto do que mora nos textos e nos seus espaços de entendimento.

Por Carina Carvalho


Veja, a seguir, resenhas produzidas durante a oficina “Críticas sem crise: da poesia à prosa”, realizada por Carina Carvalho na Biblioteca de São Paulo, em junho de 2020:

Carolina Margiotte Grohmann - Resenha Brasil, construtor de ruínas

Isabelle Ferreira - Resenha Enfim, capivaras

Karina E. Costa - Resenha Tudo nela brilha e queima

Lídia Mendes - Resenha Mulher bomba


Carina Carvalho é poeta, trabalha com edição e revisão de materiais didáticos e de aprendizagem socioemocional. Mestra em Estudos Literários pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ela assina a série poética Ensaio para sair de casa, que integrou a coletânea do II Prêmio Ufes de Literatura. Carina é autora dos livros de poemas "Marambaia", "Passiflora" e "Corpo clareira". 

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