Edição 36 - Setembro/2023 | Tema

Romance Árabe, Feminino e Contemporâneo lido no Brasil

Ilustração: Fernando Siniscalchi

A oficina destacou a dispersão das categorias de gênero e nação que impactam a construção da identidade nacional das personagens dos romances analisados: Haifa Fragments e Country of Origin.

Maisson, personagem de Haifa Fragments, vive em meio a uma experiência tensa. Sendo uma palestina com documento de identificação oficial israelense, ela se insere na cidade de Haifa sob um estatuto que lhe confere privilégios em relação a outros palestinos, habitantes dos territórios que restaram da nação original.

Já Halah, de Country of Origin, é uma egípcia rica que foge para os Estados Unidos com um jovem oficial do exército, durante a agitação do início dos anos 1950. Tal período correspondeu à instauração do nacionalismo e da independência de fato no Egito.

Tanto Halah quanto Maisson são personagens que desafiam o patriarcado, ao assumirem atitudes insurgentes que impactam a forma de se constituírem como mulheres. Isso, em sociedades marcadas por contextos histórico-políticos instáveis, responsáveis pela produção de identidades dispersas associadas a subjetividades em constante conflito. Tal experiência, quando transposta à identificação de um sujeito com uma nação (numa tentativa de autorreconhecimento frente a uma situação de dissociação), resulta numa atitude incognoscível como reação à crise subjetiva gerada, que se manifesta sob a forma de resignação materializada na fuga psicológica (Maisson) e na fuga física (Halah).

Desse modo, o conhecimento dessas experiências apresentadas pelos romances analisados na oficina nos auxilia na compreensão da estrutura subjetiva de diversas personagens da Literatura Brasileira e Estrangeira, sobretudo, as protagonistas de resistências e afirmação de identidades.

Além disso, oficinas como esta oportunizam, também, o conhecimento de um tipo de Literatura ainda não tão acessível às leitoras e leitores brasileiros, seja pela pouca oferta de traduções em português, seja pela pouca presença, nas rodas literárias, de temas que abordem o universo árabe-asiático ou árabe-africano.

Por Anselma Garcia de Sales

 

 

 

Anselma Garcia de Sales é bacharel em Letras (2001), licenciada em Letras (2003) e bacharel em Linguística (2007) pela Universidade Estadual de Campinas. Possui especialização em Gestão e Políticas Públicas (2014) pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e especialização em Inserção Social e Cidadania (2022), pelo Instituto Federal de São Paulo. É mestre em Letras (2010) e Doutora em Letras (2018) pela Universidade de São Paulo. Possui licenciatura em Pedagogia pela Faculdade Paulista São José (2019-2020). Tem experiência na área de Letras, Linguística e Educação, com ênfase em Literatura Africana, Literatura Árabe, Linguística Textual, Análise de Discurso e Formação Docente, atuando principalmente nos seguintes temas: Africanidades, Literatura Árabe e Formação de Professores.

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