Edição 10 - Julho/2021 | Tema

A ciência como thriller

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Em "Confissões de um Jovem Romancista" (2011), Umberto Eco lembra um trauma em sua carreira de pesquisador, quando foi acusado de má conduta científica na banca de seu doutorado. Ao narrar a história de sua pesquisa como se fosse um romance policial, Eco foi menosprezado como cientista por um dos arguidores – um professor que, sem saber, inspiraria o modus operandi de quem se tornaria um grande escritor e semiólogo trazendo, em todos os seus trabalhos acadêmicos, nada mais que “o relato de uma busca por algum Santo Graal”, motivado pela tenaz convicção de que “toda obra científica deve ser uma espécie de thriller”.

Partindo desse pressuposto sedutor, a oficina "A literatura como ciência e a ciência como literatura" procurou estimular o diálogo entre esses dois campos do conhecimento, numa época em que paira sobre ambos a mesma ironia capciosa: em plena pandemia da Covid-19, quando a ciência tem nos ajudado a enfrentar o vírus com suas descobertas e os livros voltaram a ser nossos companheiros no isolamento social, a ignorância humana se tornou tão nociva a ponto de causar a morte de milhões de pessoas ao redor do mundo, vítimas diretas ou indiretas do negacionismo de parte de nossa sociedade e governantes.

No mesmo ritmo com que médicos tentam ressuscitar pacientes entubados na linha de frente de hospitais, laboratórios tentam produzir vacinas a toque de caixa e infectologistas vêm a público para nos alertar da importância do uso de máscaras e do distanciamento, notícias falsas circulam minimizando o impacto da doença e propondo tratamentos comprovadamente ineficazes. Ao passo que nunca se venderam tantos livros pela internet, nesse mesmo espaço contemplamos, atônitos, a insurgência de discursos que parecem se voltar contra o saber e a cultura, trocando bibliotecas por fogueiras, livros por armas, arte por violência.

No centro desse thriller, por vezes uma distopia insana, nada fascinante de se acompanhar, a palavra jaz como esse Santo Graal que a humanidade está constantemente buscando, em páginas de uma história que vai sendo escrita e que é também, a seu modo, uma batalha pelo controle de narrativas, produzindo heróis e vilões, protagonistas e coadjuvantes, textos e notas de rodapé. Cabe a nós, mulheres e homens, acreditar na palavra, ainda que numa era em que a sua falência tem gerado tantos ruídos. Ou, como diria o poeta espanhol Alberto Juarroz:

O serviço que se pede ao homem

É nada mais que continuar a narração,

Com qualquer argumento,

Ou também sem nenhum.

Por Tiago Germano

Veja, a seguir, textos produzidos como resultado da oficina “A literatura como ciência e a ciência como literatura”, ministrada em maio pelo escritor Tiago Germano, dentro da programação da Biblioteca de São Paulo

Melissa Mel

Patricia Dias

Patrícia Orestes

Tiago Germano é mestre e doutor em escrita criativa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atua como consultor, é resenhista da plataforma de leitura Goodreads e assina uma coluna no suplemento literário Correio das Artes. É autor da coletânea de crônicas "Demônios Domésticos" (2017), indicada ao Jabuti, e do romance "A Mulher Faminta" (2018).

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