Edição 51 - Dezembro/2024 | Tema
Literatura com som na caixa: trilhas sulinas brasileiras
Nesta oficina abordamos a prosa
literária de Caio Fernando Abreu, Carol Bensimon, Natalia Borges Polesso e
Sabina Anzuategui, autorxs nascidxs no sul do Brasil entre os anos 1940 e 1980
do século XX, tendo em vista a relação entre produção literária e trilha
sonora. Nesse sentido, enfocamos procedimentos de criação literária que
pressupõem um diálogo intrínseco entre leitura,
escrita e atmosfera musical. Com essa perspectiva, trabalhamos obras
selecionadas que partilham de um horizonte comum: a experimentação literária de
vivências LGBTI+, cuja polissemia do registro de suas trilhas, sejam elas geográficas e simbólicas (ruas, desvios,
rastros, pistas, passagens) ou musicais (MPB, pop, rock, jazz, blues, erudita),
fornecem acesso a uma diversidade de formas de subjetivação, que põem em crise
representações normativas e hegemônicas da sensibilidade estética e cultural
brasileira.
As
aulas foram realizadas segundo um tratamento expositivo, dialógico e prático, com o intuito de investigarmos
efeitos estéticos – no âmbito da sensibilidade e da imaginação – provocados
pelo uso da referência musical (ritmo, atmosfera, ambiência, clima, disposição,
tonalidade afetiva) na produção literária. Tais efeitos estéticos tornaram-se
propulsores de práticas de escrita propostas aos participantes a partir da
interpelação das obras selecionadas: Morangos
Mofados, de Caio Fernando Abreu; Escrevi
pra você hoje, de Sabina Anzuategui; Controle,
da Natalia Borges Polesso; Pó de Parede
e Uma Estranha na cidade, de Carol
Bensimon.
No
que diz respeito às práticas de leitura,
adotamos dois procedimentos: a leitura focalizada [Close Reading] e a leitura em voz alta. Enquanto a leitura focalizada favorece uma
percepção mais acurada do efeito estético do texto, a leitura em voz alta contribui com a socialização dos trechos
selecionados, fornecendo uma dimensão
performativa da experiência de leitura. Ambos os procedimentos são
complementares, constituindo um terreno fértil e motivador do diálogo entre os
participantes, expandido seu repertório e o debate em torno dos textos.
Em
relação às práticas de escrita, foram
realizados exercícios com base na trilha sonora presente nas obras abordadas –
com músicas de Ângela Ro Ro, Chopin, Beatles, Heróis da Resistência, Lula
Côrtes & Zé Ramalho, Cindy Lauper, Joy Division, New Order, David Bowie, Miles Davis – resultando na produção
de textos desenvolvidos a partir de um exercício de escrita intitulado Notas de Trilha. Esse exercício foi
estruturado em quatro etapas, contando com proposições relativas a aspectos
temáticos e formais de cada obra trabalhada. A noção polissêmica da palavra trilha em sua dimensão geográfica e musical estabeleceu o formato do exercício,
cujas quatro etapas foram, por sua vez, nomeadas em menção à polissemia da
palavra movimento enquanto ação, deslocamento, gesto, fluxo etc.,
e, igualmente, enquanto termo específico ao léxico da composição musical: primeiro movimento (inspirado nas atmosferas
de Caio Fernando Abreu); segundo
movimento (inspirado nas tonalidades afetivas de Sabina Anzuategui); terceiro movimento (inspirado nas disposições de Natalia Borges Polesso); quarto movimento (inspirado nas ambiências
de Carol Bensimon).
A cada aula da oficina, partilhamos
o entusiasmo e o prazer em ampliarmos nossas experiências literárias, no campo
da leitura e da escrita, tendo em vista uma articulação sensível e imaginativa
entre narratividade, formas de subjetivação e trilhas geográficas, simbólicas e
musicais, repensando nossos próprios valores, automatismos e possibilidades
expressivas, em meio a novas e velhas trilhas em seus múltiplos movimentos.
Por Deise
Abreu Pacheco
Deise Abreu Pacheco atua na fronteira entre literatura,
filosofia e artes da cena. Atualmente, desenvolve pesquisa de pós-doutorado no
Departamento de Letras da Escola de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de São Paulo. É graduada, mestre e doutora (FAPESP/Capes)
em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo, com estágio doutoral em filosofia no Søren Kierkegaard Research Center,
da Universidade de Copenhague (Dinamarca, 2015), e autora do livro Assistir e
ser assistida: via e limites de uma estética existencial. Um percurso por
escritos de Søren Kierkegaard (Hucitec, 2021). No campo literário, é autora dos
livros de tirinhas A vida de Deise (Tomo I; Tomo 2), pela Hucitec
Editora (2022), em parceria com a poeta, tradutora e professora de literatura
de expressão francesa Ana Cláudia Romano Ribeiro; autora do romance LGBTQIAPN+
intitulado Começando Albertina (nossa vida no armário nos anos 90),
lançado pela editora Editacuja em 2023. Integrou o corpo docente do programa de
Pós-Graduação em Escrita Criativa da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP,
2018-19), ministrando a disciplina Elementos da Ficção. Integra o corpo docente
do Instituto A Capivara Cultural: espaço para experiências literárias, desde
2022.