Edição 29 - Fevereiro/2023 | Tema

Narrativas distópicas no Brasil

Fernando Siniscalchi

Entre os dias 7 e 16 de dezembro de 2022, aconteceram os quatro encontros relativos à oficina “Distopias Literárias e a Política no Brasileira” – que integrou a programação virtual da Biblioteca Parque Villa-Lobos –, fruto da parceria entre o curso de Letras da EFLCH/UNIFESP e a ONG SP Leituras. 

Com duração média de 3 horas, cada encontro foi estruturado considerando-se a seguinte distribuição: 1) Exposição Teórico-Crítica; 2) Análise e Interpretação de excertos de obras relacionadas ao tema; 3) Produção de textos pelos alunos (comentados pelo ministrante). De maneira geral, os estudantes interagiram bastante; tiraram dúvidas; colaboraram com a leitura das obras selecionadas e produziram breves narrativas que dialogaram com os temas recorrentes em distopias publicadas no exterior e no Brasil, entre 1924 e 2021. 

O convite para ministrar a oficina foi motivo de alegria, por três motivos: (1) permitiu dar vazão a algumas hipóteses de pesquisa formuladas durante o semestre em que ministrei aulas da disciplina Romance Distópico na Escola de Comunicações e Artes (USP) em 2019; (2) estimulou a reler e refletir sobre boa parte das obras classificadas de acordo com o tema em questão; (3) possibilitou divulgar o romance Mil, de autoria deste professor, publicada pela Luva Editora (RJ) em 2021.

Ao longo dos encontros, procurou-se relacionar aspectos e ingredientes que caracterizam as obras filiadas a essa temática, tendo em vista refletir sobre: a) as origens do termo Distopia, no século XVIII, e seus aspectos narrativos; b) a diferença conceitual entre Gênero, Subgênero, Espécie e Tema literário; c) os suportes e linguagens audiovisuais que seguem os preceitos da distopia; d) os principais ingredientes encontrados nas obras literárias; e) apresentar um breve contexto social e histórico em que as obras abordadas se inseriam. 

Ao final de cada encontro, os alunos foram estimulados a reunir e revisitar os textos produzidos, com o propósito de organizá-los como breves narrativas afiliadas ao tema. Recebidas as produções finais por e-mail, procedeu-se à revisão e ajuste em atenção a aspectos relativos à morfossintaxe, lógica e estilo. Mediante autorização expressa dos estudantes, os textos de sua autoria são publicados na portal do projeto Literatura Brasileira no XXI. As produções (que variaram de uma a sete páginas) revelaram que os alunos observaram atentamente os preceitos, ingredientes e lugares-comuns que orientam e presidem a composição de narrativas distópicas.

A experiência teve saldo muito positivo, pois, por se tratar de um tema de nossa predileção, favoreceu a interlocução entre pessoas que apreciam em muito as distopias literárias e estão interessadas em identificar os artifícios empregados pelos autores. Durante os encontros, temas fundamentais da política brasileira foram trazidos ao debate, com destaque para a premissa de que a história recente do país repousa em características que pautam o papel de governantes, miliares, religiosos, empresários etc., em meio a golpes de Estado, quase sempre orientadas pelo dogma neoliberal, além de conflitos relacionados à miséria social que atinge a maioria da população, sob a negligência do poder público e das autoridades.

Questões fundamentais, como “manutenção da ordem”, “imposição de limites”, “progresso”, “modernidade”, “tecnocracia”, “moral”, “dogmatismo”, “negacionismo”, “autoritarismo” etc., puderam ser discutidas francamente com os estudantes – em sua maioria, assíduos aos encontros. Ao longo da oficina, os alunos registraram impressões positivas sobre os conteúdos e o método com que foram apresentados, razão que permite afiançar que a experiência terá sido muito satisfatória para ambas as partes.

Gostaria de reiterar um agradecimento especial ao Professor Pedro Marques, pelo convite, e à equipe do projeto SP Leituras, pela acolhida e atenção dispensadas. A vocês e aos intrépidos alunos que cursaram a oficina, deixo o melhor abraço, com votos de que os encontros tenham estimulado a leitura de outras obras e favorecido a emergência de novos autores de distopias.

Um abraço solidário. Até breve.

Jean Pierre Chauvin

Confira os trabalhos realizados pelos participantes da oficina:

David Pereira Júnior

Évelin Américo da Silva

Francilene Monteiro da Silva

Sônia Regina Da Silva

Vanusia Lopes

Jean Pierre Chauvin é professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da USP, onde pesquisa e leciona as disciplinas: Cultura e Literatura Brasileira, Romance Distópico, A Prosa de José Saramago e O Romance Policial de Agatha Christie. Atua nos programas de pós-graduação em Letras, da EFLCH/UNIFESP, e Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, na FFLCH/USP. Organizador da coletânea As Letras na Terra do Brasil (séculos XVI a XVIII), pela Ateliê Editorial, em parceria com Marcelo Lachat (2022); autor dos estudos José Saramago: literatura contra mercadoria (Fonte Editorial, 2021) e Crimes de Festim: ensaios sobre Agatha Christie (Todas as Musas, 2017), dentre outros; e da novela Mil, uma distopia (Luva Editora, 2021). 

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