Edição 25 - Outubro/2022 | Tema

Oficina Manifestos

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Ao longo do mês de agosto, nos encontramos para estudar de perto uma forma expositiva ao mesmo tempo anacrônica e atual: o manifesto. Anacrônica porque a utópica fúria política e a sanha por inovação artística radical, motores de grande parte do século XX, hoje parecem meras relíquias no nosso tempo, pautado pelo design e não pela arte (isto é, pelo melhoramento das condições atuais e não por sua dissolução) e pelas demandas de representação e de inclusão. Também anacrônico porque a confrontação, o antagonismo e o radicalismo parecem agora ser posse de conservadores e reacionários, mas atual porque o tipo de imaginação quimérica e irredutível e a explicitação pública de enfado e revolta que animam o manifesto parecem mais uma vez serem necessárias diante de tantas catástrofes (sociais, econômicas, cognitivas, comportamentais, culturais, ecológicas, etc.). Como declara Tristan Tzara num metamanifesto importante: 

Um manifesto é uma comunicação feita ao mundo inteiro, em que não há outra pretensão que não seja
a da descoberta do meio para curar instantaneamente a sífilis política, astronômica, artística, parlamentar,
agronômica e literária. Pode ser doce, pachorrento, tem sempre razão, é forte, vigoroso e lógico.
A propósito de lógico, acho-me muito simpático 
(“Dada manifesto sobre o amor débil e o amor amargo)


Para incitar esse tipo de imaginação curativa, começamos lendo o “Manifesto Utópico-ecológico a favor da Poesia e do Delírio”, de Roberto Piva, texto em que as dinâmicas desse tipo de forma expositiva são radicalizadas (também anacronicamente) num misto de teatralidade e performatividade (encenação e ato), que transforma um projeto de autoinvenção pessoal pela arte em um conjunto de demandas públicas. Depois, seguindo as sugestões de Martin Puchner (
The Poetry of the Revolution), vimos em que medida o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, acaba servindo como matriz moderna do gênero que, no início do século XX, migra da política para a arte. Essa migração foi estudada por meio da leitura de trechos da produção manifestária mais importante das chamadas vanguardas históricas. Por fim, vimos também rapidamente como o manifesto foi praticado em língua portuguesa, sublinhando a exacerbação da forma na vanguarda de Portugal e sua recusa pela vanguarda brasileira do início do XX (o que implicou relativizar 1922 como marco da inovação artística no Brasil).

Concomitantemente, vimos trechos do filme
Manifesto (2015), do artista alemão Julian Rosefeldt. O filme, originalmente uma videoinstalação em 13 canais de áudio/vídeo, é composto por cenas diversas em que a atriz Cate Blanchett, caracterizada em 12 tipos diferentes, declara trechos de 53 manifestos. Foram discutidos a feminização de um gênero tipicamente masculino e os sentidos das cenas de declamação.

Os textos escritos pelas participantes da oficina dialogam com todo o material visto, mas sobretudo com o manifesto de Piva. Convidei-as a escreverem demandas públicas a partir de utopias pessoais. Isso para, ao mesmo tempo, confirmar e contradizer outro manifesto de Tzara, no qual pontifica: “isto não é para os abortos que continuam a adorar o umbigo” (“Proclamação sem pretensão”).

Por Marcelo Moreschi

Confira abaixo o conteúdo dos trabalhos produzidos pelas participantes da oficina: 
Alice Roger Bombardi, Francilene Monteiro da Silva e Sônia Regina da Silva

Professor de Literatura Brasileira e de Teoria Literária da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestre em Teoria e História Literária pela Unicamp, onde também realizou estágio pós-doutoral; doutor em Literatura Luso-Brasileira pela Universidade da Califórnia, Santa Barbara. Tem estudado e publicado sobre vanguarda, modernismo brasileiro e Flávio de Carvalho. 

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