Edição 17 - Fevereiro/2022 | Tema

Semana de Arte Moderna – por outros caminhos

Arquivo pessoal

Quando meu amigo e colega Pedro Marques me convidou para integrar o projeto Literatura Brasileira no XXI com uma oficina sobre a Semana de Arte Moderna, senti a alegria e a responsabilidade de levar ao público reflexões sobre o evento e seu papel no processo de renovação da cultura brasileira. Assim, para pensar o evento que completa em fevereiro de 2022 seu primeiro centenário, planejei expor aspectos de pesquisas recentes produzidas nas universidades que têm trazido à luz autores modernistas menos conhecidos, além de cartas, revistas e todo um patrimônio documental pouco conhecido por um público mais amplo. Se hoje em dia não se sustenta mais a ideia de que o evento teria inaugurado o modernismo brasileiro, é importante chamar a atenção para os desdobramentos culturais que foram impulsionados ou sistematizados através dele e nortear o nosso olhar não para um grande nome, mas para o entendimento do caráter coletivo da Semana de 22 e do próprio modernismo brasileiro.

Assim, a oficina Semana de Arte Moderna – por outros caminhos teve como diretriz movimentar um conjunto variado de textos pouco conhecidos. Durante a primeira semana atipicamente chuvosa de dezembro de 2021, um pequeno e heterogêneo público compareceu para discutir, entender, observar esses outros caminhos. Minha ideia básica era promover uma espécie de passeio virtual, lendo cartas, crônicas da ocasião, revistas produzidas no calor dos acontecimentos e confrontar tudo aquilo com o que esteve retido nas memórias desses mesmos participantes da famosa Semana. Múltiplos gêneros textuais, todos inéditos ou de pouca circulação, seria o nosso roteiro, a fim de que pudéssemos observar como os discursos produzidos sobre a Semana teriam sedimentado as manifestações programáticas e se desdobraram também nas diretrizes críticas que consolidaram as questões centrais sobre aquele tempo. 

Começamos com uma carta inédita de Ronald de Carvalho dirigida à esposa, justamente durante a Semana. O diplomata carioca estava em São Paulo para participar o evento e conta para sua amada algumas de suas impressões: os casarões, as conversas elegantes com os barões de café e o quanto, da sua perspectiva cosmopolita, São Paulo era uma cidade acanhada, com tudo à vizinhança. Foi interessante a reação dos participantes diante desse comentário. Não imaginavam quanto estávamos diante de uma cidade em construção... Lemos também outras cartas de Ronald para Mário de Andrade e deste para Manuel Bandeira para, por fim, observarmos as memórias de Raul Bopp, nas quais ele narra as discussões durante o planejamento da Semana, fala da contribuição aristocrática do grupo, os acordos de café, as formas de sociabilidade intelectual e os contatos da elite financeira com as vanguardas europeias. Aí nós nos dirigimos, nos dias seguintes, para entendermos especialmente o Futurismo e as controvérsias expostas em várias cartas sobre a adesão ou não às ideias de Marinetti no complexo cultural brasileiro. 

Depois de cartas, crônicas e memórias e para sistematizar aqueles anos, percorremos as revistas. Assim como ocorreu ao redor do mundo, as revistas modernistas prosperaram ao longo de todo território brasileiro, veiculando as tópicas da novidade e as estratégias que definiam as formas de convivência e/ou de conflito entre os diversos setores do campo cultural. Vimos a muito famosa Klaxon e até a pouco conhecida gaúcha Madrugada. No último dia, tivemos a presença da professora Raquel Madanelo, da UFMG, que destacou em sua palestra a importância das revistas na relação cultural entre Brasil e Portugal naquele tempo, lançando esclarecimentos sobre como os escritores de lado a lado buscaram se conhecer e se divulgar por meio dos periódicos. 

O passeio textual que a oficina sobre a Semana de Arte Moderna nos proporcionou nos conduziu à diversidade do próprio significado de vanguarda, novidade e, como consequência, do próprio modernismo. Aos olhos de hoje, da pluralidade de gêneros textuais desenrolam-se os tópicos audaciosos e as bandeiras que se esvoaçavam na brisa dos ideais de inovação junto às estratégias performáticas que acabaram por dirigir as reflexões críticas constituídas nas décadas seguintes. Da diversidade de posições à pluralidade de perspectivas, a oficina nos deu a oportunidade de revermos o modernismo em suas diversas facetas, tudo isso para um público também ele heterogêneo em interesses, o que foi um dado a mais para a riqueza do encontro proporcionado pelo projeto Literatura Brasileira no XXI, pela SP Leituras e pela Biblioteca Villa-Lobos. 

Professora de Literatura Brasileira da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Graduada em Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF), é mestre e doutora em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde também realizou o pós-doutorado. Realizou estágio de investigação em Paris 3 (Sorbonne Nouvelle). É Colaboradora Externa do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição da Universidade Nova de Lisboa (IELT/UNL) e Pesquisadora Colaboradora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP), desenvolvendo pesquisa sobre a imagem de Portugal em Mário de Andrade. 

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