Edição 01 - Outubro/2020 | Tema

Sobre o jogo da poesia

Ilustração: Fernando Siniscalchi

Na oficina de criação literária “A poesia do jogo ҉ O jogo da poesia”, exploramos novas possibilidades de escrita poética a partir do diálogo com diversas práticas lúdicas e esportivas. Tomando como ponto de partida as atividades criativas do grupo Oulipo (formado por Raymond Queneau, Italo Calvino, Georges Perec e diversos outros escritores), propus uma série de jogos verbais com o intuito de desenvolver a capacidade imaginativa, crítica e construtiva dos participantes. Os dois primeiros encontros foram dedicados a elementos cruciais do texto poético: o ritmo e a imagem. Nos outros dois encontros, aventuramo-nos em jogos com a ficcionalização da voz lírica e com a recriação de textos já existentes.

Cada encontro se estruturou a partir da exposição de alguns pressupostos básicos, ilustrados por textos de autores de diversos locais e épocas (da Grécia clássica ao Japão do século XVIII; da Provença medieval ao Brasil contemporâneo), seguida pela proposição de exercícios de criação. A princípio, a ideia de que determinadas regras (ou restrições) poderiam estimular a criatividade soou como contraintuitiva para os participantes da oficina; no entanto, à medida que eles se dedicavam aos exercícios, logo descobriram que (assim como acontece na prática esportiva) as restrições ampliavam suas possibilidades criativas, forçando-os a pensar em alternativas que não teriam considerado caso se vissem completamente livres para escrever de qualquer forma sobre qualquer assunto.

Respeitando o ritmo de cada participante (alguns escreviam vários poemas em poucos minutos; outros preferiam fazer esboços que depois seriam desenvolvidos no período de uma semana entre cada encontro), conseguimos reunir uma coleção de textos variados, inventivos e vigorosos: haicais sintéticos e poemas que se estendiam por três páginas; textos metrificados e rimados, poemas em verso livre; poemas escritos a partir de outros textos ou de experiências individuais...

Uma parte fundamental de cada encontro foi a partilha dos textos entre os participantes, feita num ambiente de camaradagem e respeito mútuo, em que algumas sugestões foram decisivas para a forma final dos poemas. Fiquei particularmente tocado pelo empenho dos participantes, que levaram a sério todas as atividades propostas e se mostraram abertos para se transformarem através da escuta e da leitura da voz dos outros poetas, compreendendo suas vozes singulares como frutos de um diálogo contínuo com a tradição literária e com a sociedade contemporânea. 

Por Marco Catalão


Veja, a seguir, textos poéticos produzidos durante a oficina “A poesia do jogo ҉ O jogo da poesia”, realizada por Marco Catalão na Biblioteca Parque Villa-Lobos, em maio de 2020:

Diana Vanderlei - Nymeria

Diana Vanderlei - Sem título

Sabrina Silva - Sem título (1)

Sabrina Silva - Sem título (2)

Thiago Ballestero - A pena

Thiago Ballestero - Sem título



Marco Catalão é poeta, dramaturgo e ficcionista. Doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp, ele é autor de "No cravo e na ferradura", "O cânone acidental", "Agro negócio", "Sob a face neutra" e "As asas do albatroz". Entre 2015 e 2019, fez pós-doutorado em Teoria do Teatro pela USP com estágio na Université Sorbonne Nouvelle. Em 2018 e 2019, recebeu o Prêmio de Incentivo à Publicação Literária.

Leia também

Literatura com som na caixa: trilhas sulinas brasileiras

Nesta oficina abordamos a prosa literária de Caio Fernando Abreu, Carol Bensimon, Natalia Borges Polesso e Sabina Anzuategui, autorxs nascidxs no sul do Brasil entre os anos 1940 e 1980 do século XX, tendo em vista a relação entre produção literária e trilha sonora. Nesse sentido, enfocamos ...

Leia Mais!
A Literatura Negra como herança de um Brasil Crioulo

 Ao pensarmos na formação da literatura nacional e seus marcadores raciais, na maioria das vezes surgem algumas indagações em torno das temáticas que envolvem escritos produzidos por autores negros, além de uma tensão de como classificar essas produções. Resgatando o conceito de Cuti Silv...

Leia Mais!
Amazônias poéticas: culturas, heterogeneidades, hibridismos

Em estudo primoroso, Ana Pizarro (2012) detecta que os escritos sobre Amazônia possuem uma especificidade. A grandiosidade da floresta e a dimensão fluvial saltam aos olhos de quem se defronta com ela. O rio é espaço, moradia, elo entre comunidades. Por ser uma fonte de nutrição para humanos ...

Leia Mais!
Mundos possíveis da ficção sertaneja

Convém reconhecer, desde logo, a imprecisão do título desta oficina. A categoria "prosa sertaneja" não corresponde a uma noção evidente, estanque ou autoexplicativa, sendo necessário conferir-lhe precisão e consistência. No caso, a prosa analisada acomoda textos díspares, escritos em circ...

Leia Mais!
A moda caipira encanta a nova metrópole

Na oficina Relações entre música sertaneja e canção popular urbana, trabalhamos com o cancioneiro sertanejo, observando o diálogo das canções com as transformações da cidade de São Paulo, procurando compreender, a partir do estudo das composições, os processos de assimilação da cultu...

Leia Mais!
Poesia brasileira no XXI: vozes, letras e suportes

Escrever sobre a poesia do século XXI é uma tentação de muitas faces. A face juvenil reuniria seus amigos identificados pela vida e arte. Nós os representantes da geração, compartilhando livros, autores, referenciais e estilos. Tudo tão bonito a ponto de provocar inveja a quem não foi conv...

Leia Mais!