Edição 27 - Dezembro/2022 | Entrevista

Diálogos entre Brasil, Moçambique e Portugal

Crédito: Antônio Cachiolo (Simone Nacaguma) e Acervo Pessoal (Carina Carvalho)

No ano do centenário da Semana de Arte Moderna de 22, o movimento modernista brasileiro foi muito debatido e estudado. Para ampliar o olhar para novos horizontes, a professora de Literatura Portuguesa da Unifesp, Simone Nacaguma, e a poeta e editora, Carina Carvalho, trouxeram para oficina on-line Ecos Literários do Modernismo: Portugal e Moçambique, realizada de 7 a 28 de outubro, reflexões sobre o modernismo português e as ressonâncias do modernismo brasileiro na literatura moçambicana.

Em Portugal, o modernismo foi marcado por duas fases distintas. A primeira teve início com as revistas literárias, em especial a Orpheu, lançada em 1915, por Sá Carneiro, Fernando Pessoa e Almada Negreiros. O projeto teve apenas dois números impressos, porém sua influência foi marcante para a literatura da época. Anos mais tarde, em 1927, surge a revista Presença, consolidando definitivamente a Orpheu como uma publicação modernista. “Assim como aconteceu no Brasil, o modernismo português ficou restrito à elite do país, uma vez que existia uma grande taxa de analfabetos, e presente apenas em algumas cidades, como Lisboa, Coimbra e Porto”, explica Simone Nacaguma.

A produção literária da época trazia pouca crítica social, motivo que fez Fernando Pessoa, o grande nome da literatura portuguesa, receber críticas por sua atuação apolítica durante o movimento. Mas para a professora Simone essa leitura simplista e contemporânea pode incorrer no anacronismo. “Seus textos tinham um estilo conservador, influenciado por ideias saudosistas, viés espiritualizante e ideal de império, mas precisamos entender que esse era o contexto da época.”

Já a segunda fase acontece de 1937 a 1940 e comporta ideias nacionalistas e patrióticas, justamente por Portugal estar vivendo uma ditadura. “O olhar mais radical sobre os acontecimentos políticos e sociais só entram em destaque no pós-modernismo com foco para a crítica sobre o colonialismo português”, observa Simone. A literatura só começa a ter um olhar extramuros a partir dos anos 1950, com a inclusão de textos de autores brasileiros e russos na revista Presença.

O primeiro encontro da oficina também contou com a participação especial do professor da Unifesp, Leonardo Galdolfi, especializado na poesia de Fernando Pessoa. “O diferencial do poeta e que virou um mote para os escritores modernistas masculinos é essa pluralidade de ‘eus’, totalmente explícita nos três heterônimos mais conhecidos de Pessoa”, destaca Galdolfi. Para ele, cada nome criado pelo poeta possui uma voz diferenciada. Alberto Caiero gostava de sentir o mundo. Já Álvaro de Campos era futurista e adorava o verso livre. Ricardo Reis era neoclássico e idolatrava o passado. Já Pessoa preferia pensar o mundo.

Para quem quiser entender e mergulhar em obras de autores portugueses, Simone Nacaguma sugere as obras de Lidia Jorge, Antonio Lobo Antunes e Teolinda Gersão.

Moçambique
O primeiro aprendizado ao estudar a trajetória da literatura moçambicana é que não existem escolas e movimentos literários predefinidos como nos outros países. A produção das narrativas, dos poemas e dos contos aconteceu de forma completamente fragmentada. Para ter ao menos um marco referencial, a editora Carina Carvalho apresentou o estudo da professora Fátima Mendonça, que concentra a literatura do país em três fases distintas.

A primeira é o protonacionalismo, em que os escritores adotam um tom contestador, em especial os sonetos, porém ainda nos moldes dos textos europeus. Já na segunda fase, denominada nacionalismo e negritude, escritores como Noémia de Sousa e José Craveirinho se rebelam contra o regime colonial e transportam para a poesia as dores de ser negro. A terceira fase, batizada como tendências variadas pós-independência, marca definitivamente a estética moçambicana de escrever, com foco na diversidade e cultura local.

Dentro desse cenário alguns escritores brasileiros são homenageados, como Jorge Amado, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. “Mas não pelo estilo literário. A inspiração vem pela via dos ideais, do nacionalismo, do desejo de fazer literatura com as cores locais, de revelar os preconceitos raciais e trazer as dores da escravidão”, comenta Carina.  

A posição subalterna das mulheres também foi retratada em várias obras moçambicanas, em especial nas de Suleiman Cassamo e Paulina Chiziane. Além dos escritores já citados, Carina ainda indica as obras de Rui Knopfli, Luís Carlos Patraquim, Mia Couto, Luís Bernardo Honwana e Lília Momplé, autora do primeiro livro de contos do país publicado por uma mulher.  

 

 

 

 

 

 

 

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