Edição 51 - Dezembro/2024 | Entrevista

Dimensões musicais da experiência literária

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Nesta entrevista, a professora, teatróloga, pesquisado e escritora curitibana, Deise Abreu Pacheco, fala sobre as motivações que a levaram a explorar a relação entre a literatura e a trilha sonora de autores do sul do Brasil que abordam vivências LGBTQIAPN+. Segunda ela, tudo começou com o tema da sua pesquisa, que resultou no romance Começando Albertina (nossa vida no armário nos anos 90), sobre a trajetória da personagem narradora Albertina, que olha retrospectivamente para sua vida, concentrando-se em suas descobertas sobre sua sexualidade durante sua adolescência e juventude no final dos anos 1980 e ao longo da década de 1990. “Acho relevante promovermos uma ampla divulgação da produção literária e artística de autorxs que forneçam acesso a formas de subjetivação que confrontem representações normativas e hegemônicas das relações sociais”, destacou.

Confira!

LBXXI: O que a motivou a explorar a relação entre a literatura e a trilha sonora nas obras de autores do sul do Brasil?

Deise Abreu Pacheco: Esta motivação surgiu primeiramente de minha própria pesquisa como uma escritora curitibana, que viveu sua infância e adolescência no sul do Brasil. Em meu romance "Começando Albertina (nossa vida no armário nos anos 90)", publicado pela Editora Editacuja, em 2023, desenvolvo uma narrativa que apresenta a trajetória da personagem narradora Albertina, que olha retrospectivamente para sua vida, concentrando-se em suas descobertas sobre sua sexualidade durante sua adolescência e juventude no final dos anos 1980 e ao longo da década de 1990. Na condição de narradora de si, Albertina também se constitui enquanto narradora de uma perspectiva histórico-geracional do Brasil, vivenciada desde sua infância na cidade de Curitiba (PR), sob a ditadura militar nos anos 1970, até o período pandêmico, em 2020, sob a égide política da ultradireita. Tendo em vista esse recorte histórico-geracional, decidi elaborar o enredo do romance em diálogo com a ideia de trilha sonora, o que me levou a realizar uma extensa pesquisa de repertórios em MPB, rock e música pop, que sustentam a interação de Albertina com seu próprio tempo. Tendo em vista essa experiência com meu próprio processo de criação enquanto romancista, propus abordar aspectos musicais na obra de autorxs sulinos com os quais tenho uma forte vinculação como leitora: Caio Fernando Abreu, Sabina Anzuategui, Natalia Borges Polesso e Carol Bensimon.

LBXXI: Por que você escolheu trabalhar com autores que abordam vivências LGBTQIAPN+?

Deise Abreu Pacheco: Porque acho relevante promovermos uma ampla divulgação da produção literária e artística de autorxs que forneçam acesso a formas de subjetivação que confrontem representações normativas e hegemônicas das relações sociais, bem como ofereçam outras perspectivas de abordagem da sensibilidade estética e cultural brasileira. As obras desses autorxs não apenas retratam realidades específicas, mas também têm uma postura política ao contestar as representações tradicionais da sensibilidade estética brasileira. A literatura com enfoque LGBTI+, especialmente quando falamos de autorxs que abordam suas vivências em um contexto cultural brasileiro, coloca em xeque normas de comportamento, desafiando a noção de uma "cultura única" e propondo a aceitação da pluralidade como um valor.

LBXXI: Como a música influencia a criação literária, especialmente nas obras desses autores?

Deise Abreu Pacheco: Levando em consideração a proposta desta oficina, propus um vínculo conceitual entre o campo literário e o campo musical a partir dos seguintes recortes: as atmosferas de Caio Fernando Abreu, as tonalidades afetivas de Sabina Anzuategui, as disposições de Natalia Borges Polesso e as ambiências de Carol Bensimon. Desse modo, as noções de atmosfera, tonalidade afetiva, disposição e ambiência são exploradas enquanto dimensões musicais da experiência literária, a partir das quais abordamos a obra de cada um desses autorxs.

LBXXI: Para quem nunca leu esses autores, por onde começar e por que vale a pena explorar suas obras?

Deise Abreu Pacheco: Sugiro que se comece pelas obras trabalhadas nesta oficina, porque são obras que apresentam um campo temático e formal fortemente representativo de cada autxr, embora acredite que não haja uma regra definida para isso. Mas fica a minha sugestão:

ABREU, Caio Fernando. Morangos Mofados. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

ANZUATEGUI, Sabina. Escrevi pra você hoje. São Paulo: Quelônio, 2023.

BENSIMON, Carol. Pó de Parede. Porto Alegre: Dublinense, 2023.

POLESSO, Natalia Borges. Controle. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

Ao ler essas obras, o público pode perceber a diversidade cultural e estética brasileira pela maneira como os autores exploram as múltiplas identidades, os espaços culturais e suas influências musicais. Essas obras não apenas refletem a diversidade das vivências sociais e culturais brasileiras, mas também desafiam as normas hegemônicas da cultura nacional, oferecendo uma visão mais plural e inclusiva da realidade brasileira.

LBXXI: Como o público pode perceber a diversidade cultural e estética brasileira ao ler essas obras?

Deise Abreu Pacheco: Para pensarmos sobre esta questão é importante considerar alguns elementos fundamentais que atravessam essas produções literárias e que estão profundamente ligados à identidade cultural brasileira, especialmente no contexto da vivência LGBTI+. Primeiramente, apontaria que as obras desses autores exploram as complexas vivências de pessoas LGBTI+, um tema que questiona as representações tradicionais da sociedade brasileira. Ao expor as vivências LGBTI+, por sua vez, essas obras desconstroem normas e mostram outras formas de subjetivação que desafiam o entendimento tradicional da identidade, do amor e da sexualidade. Isso, por sua vez, amplia a visão do leitor sobre a diversidade de expressões culturais e de identidade que existem no Brasil. Outro aspecto relevante diz respeito à relação entre literatura e música, o que também mobiliza uma conexão com a diversidade cultural do Brasil. Além disso, as obras desses autorxs muitas vezes trazem uma forte sensação de deslocamento e de busca por pertencimento, seja nos espaços urbanos ou nas relações interpessoais. Esses “espaços” – sejam eles geográficos (ruas, cidades, regiões) ou simbólicos (relações familiares, comunitárias, individuais) – ajudam a ampliar as identidades dos personagens e a explorar a multiplicidade da experiência brasileira. No caso do Sul do Brasil, onde esses autores nasceram, há perspectivas que podem ser distintas de outras regiões do país, mas que estão igualmente inseridas no contexto nacional. Essa regionalidade, com suas particularidades culturais, sociais e políticas, também reflete a diversidade do Brasil. 

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