Edição 40 - Janeiro/2024 | Entrevista

Diversidade de gêneros, temas e vozes

Arquivo pessoal

Nesta entrevista, o escritor e jornalista Tiago Germano fala sobre os principais temas que pesam na prosa no panorama da literatura contemporânea, destacando a retomada do controle da leitura e da narrativa pelas mulheres. Germano, que é autor de cinco livros, entre eles "Demônios domésticos", indicado ao Jabuti e vencedor do Prêmio Minuano, e do romance "O que pesa no Norte", semifinalista do Oceanos e indicado pelo Jabuti, também reflete sobre o papel dos prêmios literários para escritores e leitores, seus pontos fortes e aqueles que precisam ser aperfeiçoados, analisando as dinâmicas que norteiam as relações entre a produção literária e mercado editorial no Brasil: é muita gente produzindo bem e em alto nível, num mercado que parece saturado e pouco disposto a novidades”.

Confira!

LBXXI: A relevância da prosa brasileira contemporânea pode ser mensurada por sua variedade de gêneros, temas e vozes. Na sua opinião, quais são os principais temas que pesam na prosa de hoje?

Tiago Germano: Os temas que decorreram da constatação de que vivíamos uma crise de representatividade e que as vozes frequentemente alijadas do debate público e de espaços como a própria literatura vinham discutindo questões sociais urgentes, há muito tempo. A principal delas, para mim, é a de uma identidade brasileira fincada na diversidade, o que talvez explique a violência de uma sociedade profundamente conservadora, que nunca se olhou no espelho e encarou de fato o diferente, o que não refletia o rosto de sua elite econômica e cultural.

LBXXI: O que há de mais atrativo na literatura contemporânea brasileira?

Tiago Germano: Talvez a sua diversidade de gêneros, que reflete igualmente essa luta de autores de diversas origens, raças e classes econômicas, contra a supremacia mercadológica do romance, gênero literário mais privilegiado pelas editoras de grande porte. Há tempos que, na prosa, o conto e a crônica têm se renovado muito mais que o romance, um tanto estagnado pelo menos na esfera realista (não dá pra falar o mesmo da ficção especulativa brasileira, por exemplo, que tem se mostrado muito mais interessante. E nem vou falar da poesia, que me parece ser sempre a linguagem que precisou de alguém para defendê-la apesar de jamais precisar de defesa).

LBXXI: Você destaca que a revolução na literatura atual tem gênero, autoria e retomada do controle da leitura e da narrativa pelas mulheres. Poderia citar algumas iniciativas, pesquisas, autoras e obras que estão fazendo a diferença?

Tiago Germano: Sem dúvida. Uma delas é Maria Valéria Rezende, uma das fundadoras do Mulherio das Letras, um movimento descentralizado que aglutina autoras de outros movimentos, como o Leia Mulheres e, aqui na Paraíba, o Clube do Conto. Valéria é a grande madrinha de um grupo de autoras que para mim está fazendo a diferença hoje no cenário literário, a exemplo de Débora Gil Pantaleão, Marília Arnaud, Débora Ferraz, Deborah Dornellas, Ana Lia Almeida, entre muitas outras agentes desse contexto tão interessante de se acompanhar.

LBXXI: A partir da compreensão da literatura como construção de uma identidade e símbolo de um empoderamento individual, como essa forma de expressão pode ser uma ferramenta para ampliar as discussões sobre temas complexos?

Tiago Germano: A literatura é uma lente de aumento para a sociedade que a produz. Por isso que para entender o percurso geral de uma civilização nós lemos os livros de história, mas para entender a vida das pessoas da época nós lemos literatura. A ficção tem muito a nos dizer sobre o sofrimento humano e também sobre seus triunfos, imperceptíveis para o telescópio da história que se estende muito além de seu tempo, no território da coletividade. A pandemia por exemplo, o autoritarismo de nossa época, parecerão impessoais quando analisarmos décadas à frente, séculos à frente. É a literatura que vai nos fazer atentar para o fato de que eram pessoas ali, com seus sonhos e suas ambições interrompidas por esse decurso quase sempre catastrófico da história.

LBXXI: Há ainda alguma confusão sobre as diferenças entre prosa, poesia e poema? Quais os significados e o lugar de cada uma delas? E como qualificar um texto como prosa literária?

Tiago Germano: Muita, apesar de ser uma distinção relativamente simples: prosa é tudo que não é poesia, ou seja, tudo que não está em verso. O poema é o verso, e a poesia é do que trata o poema: se comparamos a um copo d’água, o poema é o copo, a poesia a água. Conteúdo e continente, estrada e destino. O problema é que a literatura não é simples, e nós autores adoramos misturar tudo isso e bagunçar a cabeça do leitor, afinal estamos aqui como velhos Chacrinha para confundir e não para explicar (risos).

LBXXI: Você faz uma analogia do gênero crônica a um “tropeço na poça d’água”. Poderia desenvolver um pouco esta ideia? 

Tiago Germano: Ela quase sempre aparece na cidade, quase sempre é um acidente de percurso, e nunca está ali quando a procuramos no outro dia. A metáfora pra mim carrega os principais elementos da crônica: seu vínculo com o cotidiano, seu caráter acidental e seu não-lugar na literatura. Só diz que a crônica está morta quem nunca andou a pé numa rua e tropeçou num buraco deixado por uma poça d’água.

LBXXI: Escrever não é um simples ato de colocar palavras no papel.
O que você indicaria como caminhos possíveis (ou necessários) a serem percorridos para o exercício da escrita em prosa? Ou, em outras palavras, o que você diria a um leitor que quer se tornar um escritor? Como fazer esta transição?

Tiago Germano: A resposta já está na pergunta. A leitura é o primeiro exercício de um escritor de prosa. Pode parecer óbvio, mas muitos escritores se esquecem deste simples exercício: ler, e aprender as técnicas que adotamos para nos fazer esquecer da nossa magia e acreditar piamente numa realidade produzida, forjada. Somos mágicos que confiamos nas nossas próprias cartas, mas nunca podemos nos esquecer que elas estão na nossa manga, e o leitor não pode se dar conta disso. A literatura ou pode ficar muito chata ou pode ficar muito misteriosa depois dessa percepção. Nosso papel é achar o meio-termo, os bons escritores geralmente acham. Quanto à transição, ajuda muito o exercício, a disciplina. Não somos escravos da inspiração. Pilotos têm horas de voo, escritores têm horas de bunda na cadeira. Metade do trabalho é estar presente, abrir a bodega. Não importa se no dia você terá ou não clientes. Nossos primeiros clientes são nossas histórias. Só depois aparecem os leitores.

LBXXI: Você é autor de cinco livros, entre eles Demônios domésticos, indicado ao Jabuti e vencedor do Prêmio Minuano, e do romance O que pesa no Norte, semifinalista do Oceanos e indicado pelo Jabuti. Poderia comentar sobre o papel dos prêmios literários para escritores e leitoresseus pontos fortes e aqueles que precisam ser aperfeiçoados? 

Tiago Germano: O Cristóvão Tezza diz que a evolução do escritor se dá em saltos irregulares, e todo esse percurso pode ser muito fraturado, como acho que é o meu. Quanto à indicação aos prêmios, eu gostaria de poder dizer que eles aumentam a visibilidade do trabalho de um escritor, mas na prática não parece ser isso que ocorre quando agora, por exemplo, sigo acumulando recusas de editoras e tentado lançar livros como fiz desde o princípio de minha carreira: amealhando o apoio cada vez mais valioso, mas cada vez mais difícil, dos leitores que ainda acreditam nesse trabalho. Esse é um dos efeitos contraditoriamente positivos de uma literatura tão boa e tão diversa: é muita gente produzindo bem e em alto nível, num mercado que parece saturado e pouco disposto a novidades. Escritores tendo que esfregar talento o tempo todo na cara do mercado, para ser absorvido por ele. Isso vai nos tornando meio como bonecos maquiados, mendigando atenção, sobretudo nessa realidade de redes socais, onde até o afeto foi capitalizado.

LBXXI: O que você está lendo no momento?

Tiago Germano: Praticamente apenas livros inéditos, em decorrência de meu trabalho como editor e preparador de originais.

LBXXI: A Matria Editora, fundada por você, traz uma proposta inovadora, que vai além da publicação de livros. Poderia nos contar sobre esse projeto e em que contexto nasceu a iniciativa?

Tiago Germano: Nasceu justamente nesse contexto de tentar proporcionar a novos autores algo que não senti que me foi proporcionado no início da carreira: uma chance de começar por algum lugar, que tratasse o trabalho literário com respeito e com esmero, e com vontade de mostrá-lo para o mundo. Tornar essa jornada menos complicada, menos sofrível. Eu era jornalista aqui na Paraíba e me lembro de perguntar sempre para autores como era a experiência de publicar, recebendo sempre as respostas mais blasés. Comecei a me dar conta de que isso simplesmente não era uma questão para algumas pessoas, mas era para outras, por motivos que eu suspeitava que existissem e que hoje sei que existem e não têm nada a ver com literatura, mas com um jogo que nem todo mundo sabe fazer. Enfim, você não pode mudar o jogo reinventando as regras, mas pode começar a mudá-lo a partir do momento que constrói um tabuleiro e tenta compreender o jogo, reinventando o seu. A Matria é esse tabuleiro.

LBXXI: Gostaria de acrescentar algo?

Tiago Germano: A quem chegou até aqui, meu novo livro “A índole dos cactos” está em campanha de lançamento no site http://www.catarse.me/cactos e o Instagram da Matria é @matriaeditora.

 

 

 

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