Edição 15 - Dezembro/2021 | Entrevista

O palhaço e o poeta

Beto Riginik

As palavras de Manoel de Barros são feitas de graça, aquela graça considerada sublime, bela e elegante. O palhaço também usa a graça como ofício, mas aquela graça da gargalhada, da alegria, da diversão. O que os dois afazeres tão distantes têm em comum? A resposta está na oficina Foto-resenha: uma performance a partir da poética de Manoel de Barros, conduzida pela atriz, artista circense, palhaça e discente no doutorado da Unifesp, Suelen Santana.

Durante os quatro encontros realizados nos dias 2, 9, 16 e 23 de outubro de 2021, na Biblioteca Parque Villa-Lobos, os participantes foram convidados a deixar seus instintos realistas fora da sala de aula e ingressar em um mundo repleto de magia, brincadeiras, simplicidade, sutilezas, ironias e galhofas, uma homenagem às palavras performáticas do poeta e ao Dia do Palhaço, comemorado em 10 de dezembro.

A oficineira não poderia ter escolhido referência melhor na literatura do que Manoel de Barros para fazer contraponto com a arte da palhaçaria. Considerado uma personalidade “não-biografável”, o poeta sempre confundiu seus interlocutores com informações de cunho duvidoso e brincava: “Não sou um mentiroso, eu apenas invento coisas.” O olhar curioso de Manoel de Barros lançado para as coisas do cotidiano, para os animais e para a natureza é o mesmo olhar com que o palhaço observa as cenas do dia a dia para criar suas piadas e encenações pueris.


A proposta da oficina foi promover um mergulho de corpo e alma nos dois fazeres artísticos. “A ideia era produzir performances literárias, deslocando o texto para fora do papel e criando uma interplasticidade entre o ser poético e o fazer poético, usando não apenas a voz, mas o corpo todo”, diz Suelen Santana.

Entre as várias atividades práticas da oficina estavam as brincadeiras no chão, invenção de novas palavras, a troca de funcionalidades para objetos e a sugestão de deslocamentos pela sala usando movimentos não habituais do corpo, performances semelhantes ao andar dos palhaços. Tarefas que serviram não só para “acordar o corpo”, mas também para tirá-lo de sua zona de conforto.

Item bem característico dos palhaços, as máscaras foram assunto de destaque durante a oficina. Suelen apresentou aos participantes os conceitos da pedagogia das máscaras e ensinou o grupo a criar o aparato em gesso, oferecendo o material para a execução em casa em função das regras de distanciamento social que impediram a produção dos moldes dentro do ambiente da biblioteca. Como encerramento, os participantes tiraram fotografias do objeto produzido instalados em ambientes dentro e fora da biblioteca.

A ideia de usar elementos fora do contexto tradicional é a proposta do trabalho da própria oficineira de criar pontes entre diferentes linguagens artísticas, além de trazer luz e valorizar uma arte mais do que necessária na atualidade: a de fazer rir.

Para saber mais assista ao vídeo disponível no YouTube Só dez por cento é mentira, um mergulho cinematográfico na biografia inventadas e nos versos fantásticos do poeta Manuel de Barros.

Leia também

A poesia e suas formas de existir

Nesta entrevista, os poetas e professores Pedro Marques e Leonardo Gandolfi tecem uma visão sobre os diversos tipos de poesia nas suas diferentes formas de composição, meios de transmissão e valorização social, “cada uma com regras próprias e bem-sucedidas”. Assim, diante das inúmeras po...

Leia Mais!
A voz como instrumento indispensável

Nesta entrevista, Silvio Mansani, que divide seu tempo entre a música, o ensino e a atividade acadêmica, conta como é possível conciliar essas atividades, mas confessa que suas ocupações preferidas são a canção e a poesia. Manzani fala ainda sobre a importância da manutenção das práti...

Leia Mais!
Quantas identidades cabem no Brasil?

Nesta entrevista, a professora e pesquisadora Lilian do Rocio Borba, destaca como a literatura contemporânea, de um modo geral, tem refletido o confronto entre um legado imaginário inicial (colonial) com as questões sociais que permeiam os acontecimentos da sociedade moderna. “Sobre a literat...

Leia Mais!
Que notícias a literatura amazônica nos traz?

Nesta entrevista, Yurgel Pantoja Caldas, professor e pesquisador da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), fala sobre suas conexões com o mundo amazônico - desde o núcleo familiar até a formação como leitor e o ingresso no universo acadêmico – uma longa trajetória que o levou ao aprofun...

Leia Mais!
Por que sertões no plural?

Susana Souto é professora associada da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), onde atua na graduação e na pós-graduação. Joel Vieira da Silva Filho é indígena Katokinn. Graduado em Letras/Língua Portuguesa - UFAL/Campus do Sertão, é mestre e doutorando em Estudos Literários pela mesma...

Leia Mais!
Cultura caipira é feita de pessoas e encontros

Nesta entrevista, o professor Fábio Martinelli Casemiro, historiador e doutor em Teoria Literária, destaca qual a matéria-prima que resulta na cultura caipira - “feita de pessoas e de encontros" - que guarda suas especificidades, em um cenário de violência e disputas. Ele também fala sob...

Leia Mais!