Edição 46 - Julho/2024 | Editorial
Poesia para ler, ouvir, tocar, vestir...
Darcy Ribeiro conclui O Povo Brasileiro (1995) afirmando que o Brasil se tornara uma nova Roma tropical. “A maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e (...) também pela sua criatividade artística e cultural.” A capacidade social de receber e forjar novas humanidades, portanto, haveria de produzir diversas formas de poetar. Assim, para além do que catalogam as histórias literárias do século XX e certas narrativas atuais, a complexidade da poesia brasileira não caberia numa biblioteca física ou digital.
Desde
o século XIX, nossas elites intelectuais e governantes buscaram forjar um país
à imagem e semelhança das nações europeias, notadamente aquelas centradas na
cultura literária. Mas esbarraram: 1) na própria incompetência para criar um
sistema educacional forte e abrangente; 2) no medo de converter em cidadãos
letrados e empoderados pobres e escravizados; 3) na ignorância sobre a
sofisticação da oralidade brasileira.
Tal
oralidade gerou poéticas inéditas, como nossa canção popular, produziu festejos
públicos cheios de poesia, como a Folia de Reis e o Carnaval de Rua, e até
interferiu em gêneros literários, como a lírica, o romance e o conto cultos. Escritores
como José de Alencar, Carlos Drummond de Andrade, Ana Cristina César ou Itamar
Vieria Junior, não raro, acordam a voz e o corpo e quase se dão os braços em
quadrilha.
Na oficina “Poesia ontem e hoje: vozes, letras
e suportes” os
poetas, professores e pesquisadores Pedro Marques e Leonardo Gandolfi evitaram a lista de autores e o estilo característico
da época. Abordaram
a poesia deste primeiro quarto de século pela voz entoada ou cantada, a escrita
mais ou menos culta e, finalmente, o poema dito ou impresso em suportes físicos
(livros artesanais ou industrializados, exposições, discos etc.), online
(streamings, redes sociais etc.) e performáticos (rodas, slams, saraus, etc.).
Os
resultados aí estão para leitura e apreciação. Os participantes fizeram poemas
em diálogo com outros poetas e até letras de canção. Ainda indicaram renovadas
maneiras de experienciarmos a poesia, como o Projeto EU, de Érica
Zíngano, a poesia em LIBRAS, de Edinho Santos, ou os versos para se dizer e
colar em muros, de Virginia Bohemia. Um material
pulsante, como o mapa-coração do Brasil.