Edição 18 - Março/2022 | Entrevista

Sons do Brasil

Nelson Keno


Oficina com Gustavo Bonin mostra a influência do Modernismo e da Tropicálica na construção do Brasil sonoro.

Se tem algo que realmente embalou a Semana de Arte Moderna de 1922 foi a música. Entre as diversas apresentações realizadas nos três dias de evento, os concertos dominaram a maior parte da programação, com destaque para as obras de Heitor Villa-Lobos. Mas o que havia de novo nesse movimento em termos de sonoridade e qual foi o legado deixado para a música brasileira? Quem explica as confluências e contradições desse período é o compositor e intérprete de música contemporânea, Gustavo Bonin, que ministrou nos dias 20, 21, 27 e 28 de janeiro, a oficina on-line Do modernismo à tropicália: diferentes modos de escutar canção e música brasileira, na Biblioteca de São Paulo.


Fortemente ancorada na escuta, a oficina apresentou de forma prática o desenvolvimento do Brasil sonoro ao longo do século XX. A análise das músicas e das canções de diferentes períodos mostrou que o amadurecimento aconteceu gradativamente, começando pela pressão entre os intelectuais para refutar as influências da cultura europeia e conquistar de uma autenticidade e identidade nacional. “A música dessa época serviu de modelo para a autonomia das artes. Quando Villa-Lobos viaja para a Europa, ele forma junto com o Ígor Stravinski e Claude Debussy, o trio que proporciona a abertura na música, privilegiando a dissonância e as experimentações sonoras, como os ruídos do futurismo italiano”, explica Bonin.

Na busca por linguagens inovadoras, os temas nacionais entram para o repertório musical, inspirados nas lendas, folclores, cartas e manifestos da época. Em paralelo, acontece o crescimento da canção, com a chegada da era do rádio. Nesse período, a inovação da música brasileira perde um pouco o ritmo, mas retorna com força na Tropicália. “A Tropicália é o ponto de virada ao incorporar na multiplicidade de suas canções conceitos muitos parecidos com a Semana de 22”, explica Bonin. Entre os pontos de conexão, estão a ideia de liberdade, a ironia (carnavalização, alegorias), multiplicidade estética e uso de elementos timbrísticos diferenciados.

Por conta da ditadura militar, a Tropicália termina de forma abrupta, mas as inovações não deixam de acontecer e vão surgindo pelas mãos de músicos como Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, Hermeto Pascoal e o Grupo Rumo entre as décadas de 1970 e 1980. Mais adiantes temos a chegada do Rap com Os Racionais e a percussão revolucionária de Naná Vasconcelos, com todos trazendo uma mistura de gêneros, ritmos, arranjos inesperados e compassos esquisitos.

Para o momento atual, Bonin acredita que não teremos mais movimentos disruptivos como o modernismo e a Tropicália. Primeiro pela diversidade de gêneros e estilos existentes, que não causam mais tanto impacto porque as pessoas já estão acostumadas a ouvir coisas diferentes. “Ao passar pelo feed do Instagram, por exemplo, é possível pular de uma comunidade para outra sem grandes surpresas.” E, segundo, porque a música foi mercantilizada, ou seja, a recepção depende do valor investido na sua divulgação. “Atualmente está mais em jogo o lugar de fala, como as questões de raça, classe social e gênero, do que o que se canta efetivamente”, acredita.

Ouvir as músicas e canções guiadas pelo conhecimento de Gustavo Bonin, é entrar em mundo sonoro praticamente desconhecido. A dificuldade que a maioria dos brasileiros possuem em ter essa proximidade com a linguagem musical decorre, de acordo com o compositor, da falta de um aprendizado dentro das escolas. “É preciso aprender a escutar a música da mesma forma que as pessoas aprendem a ler um texto, apresentando caminhos possíveis e diferentes formas de interpretação”, destaca. Para ele, além da falta de incentivo, uma celeuma ronda a música, que é o fato de ser considerada algo grandioso, que requer talento, mas que na prática é uma técnica como outra qualquer, que pode ser desenvolvida e aperfeiçoada.

Leia também

A poesia e suas formas de existir

Nesta entrevista, os poetas e professores Pedro Marques e Leonardo Gandolfi tecem uma visão sobre os diversos tipos de poesia nas suas diferentes formas de composição, meios de transmissão e valorização social, “cada uma com regras próprias e bem-sucedidas”. Assim, diante das inúmeras po...

Leia Mais!
A voz como instrumento indispensável

Nesta entrevista, Silvio Mansani, que divide seu tempo entre a música, o ensino e a atividade acadêmica, conta como é possível conciliar essas atividades, mas confessa que suas ocupações preferidas são a canção e a poesia. Manzani fala ainda sobre a importância da manutenção das práti...

Leia Mais!
Quantas identidades cabem no Brasil?

Nesta entrevista, a professora e pesquisadora Lilian do Rocio Borba, destaca como a literatura contemporânea, de um modo geral, tem refletido o confronto entre um legado imaginário inicial (colonial) com as questões sociais que permeiam os acontecimentos da sociedade moderna. “Sobre a literat...

Leia Mais!
Que notícias a literatura amazônica nos traz?

Nesta entrevista, Yurgel Pantoja Caldas, professor e pesquisador da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), fala sobre suas conexões com o mundo amazônico - desde o núcleo familiar até a formação como leitor e o ingresso no universo acadêmico – uma longa trajetória que o levou ao aprofun...

Leia Mais!
Por que sertões no plural?

Susana Souto é professora associada da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), onde atua na graduação e na pós-graduação. Joel Vieira da Silva Filho é indígena Katokinn. Graduado em Letras/Língua Portuguesa - UFAL/Campus do Sertão, é mestre e doutorando em Estudos Literários pela mesma...

Leia Mais!
Cultura caipira é feita de pessoas e encontros

Nesta entrevista, o professor Fábio Martinelli Casemiro, historiador e doutor em Teoria Literária, destaca qual a matéria-prima que resulta na cultura caipira - “feita de pessoas e de encontros" - que guarda suas especificidades, em um cenário de violência e disputas. Ele também fala sob...

Leia Mais!