Edição 25 - Outubro/2022 | Entrevista

Desejo manifesto

Thales Estefani

O que é um manifesto? Com esse questionamento o professor de Literatura e Teoria Literária da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Marcelo Moreschi, iniciou a oficina Estudo do Manifesto de Vanguarda, realizada na Biblioteca Parque Villa-Lobos, entre os dias 9 e 30 de agosto. O texto de manifesto não é um ensaio ou um tratado, é um texto revolucionário, extremamente crítico, que invoca mudanças, mostra insatisfações e vem carregado de polêmicas.

Nascido no campo da política radical, com o "Manifesto Comunista", de Marx e Engels (1848), o estilo foi posteriormente apropriado pelo campo das artes. Porém, com um viés diferenciado. “Nas artes, o manifesto tem a função de marcar o início de um novo movimento, é uma espécie de fundação de uma corrente em rompimento com a corrente anterior. Mas é importante ressaltar que ali o sujeito ainda não está constituído, a assinatura só vem depois, com a adesão dos artistas à nova proposta, caso do "Manifesto Futurista" e "Manifesto Dadaísta”, explica o professor.

Para dar tom exato desse gênero literário, os participantes analisaram logo na primeira aula o Manifesto Utópico-Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio, do poeta Roberto Piva. O texto repleto de sentenças radicais encantou o grupo com suas reivindicações nonsense, como no recorte a seguir:

1. Transformar a Praça da Sé em horta coletiva & pública.
2. Distribuir obras dos poetas brasileiros entre os garotos (as) da Febem, únicos capazes de transformar a violência & angústia de suas almas em música das esferas.
3. Saunas para o povo.
4. Construção urgente de mictórios públicos (existem pouquíssimos, o que prova que nossos políticos nunca andam a Pé) & espelhos...


Outro texto analisado foi o Manifesto Comunista. A ideia não era abordar o conteúdo do texto, mas o seu estilo. “É um texto político, porém repleto de recursos literários. Começa com uma narrativa teórica, depois usa argumentações no estilo pergunta/resposta, apresenta demandas, é persuasivo e ao mesmo tempo afetivo”, analisa Moreschi. Além disso, mesmo sendo um texto com mais de 170 anos, ainda possui um forte poder de mobilização. “Tem algo vivo e performático nesse manifesto. Ele é poderoso na sua proposta por uma luta de classe e isso teve uma forte influência até na produção dos participantes, que trouxeram suas demandas por liberdade, menos pressão por parte de trabalho e um desejo por uma vida socialmente mais leve”, destaca.

Os alunos também passaram pelo "Manifesto Futurista" (1909), de Filippo Tommaso Marinetti, e pelo "Manifesto Dadaísta" (1918), de Tristan Tzana. Quando aconteceu o movimento modernista no Brasil, o estilo já estava desgastado e por isso foi um pouco rejeitado pelos artistas da época. Mas não por todos. Oswald de Andrade produziu dois manifestos emblemáticos: o "Manifesto da Poesia Pau-Brasil" (1924) e o "Manifesto Antropófago" (1928). “Foi um período de contrassenso porque o movimento teve dificuldade de se propor como vanguarda e de criar o próprio status quo. Existia a ideia de lançar a cultura brasileira e rejeitar, ao menos no discurso, o que vinha de fora, e o manifesto era algo importado, tanto que o Mário de Andrade só fazia paródias.”

Se o Brasil teve dificuldade em adotar o formato, usando o lirismo como pano de fundo na produção de seus textos, Portugal extrapolou em sua execução, com artigos bem mais violentos do que os originais. Um exemplo é o "Manifesto Anti-Dantas" e por extenso, de autoria de José de Almada Negreiros, que pedia o assassinato do médico e escritor Júlio Dantas. Até Fernando Pessoa adotou o estilo com o forte
Ultimatum, assinado por Álvaro Campos, um dos heterônimos do poeta.

Moreschi acrescenta que os manifestos impulsionaram outras formas artísticas, como a colagem, a fotomontagem, a performance, a poesia sonora, entre outros. Para finalizar, no último encontro o grupo assistiu à videoinstalação Manifesto, interpretado pela atriz Cate Blanchett, e apresentou suas produções individuais ao logo da oficina. O resultado do trabalho dos participantes pode ser
conferido aqui.

 

 

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